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Fiscalização do poder executivo

por Eduardo Louro, em 16.05.20

A separação de poderes - JN Tag

(Imagem daqui)

 

A fiscalização do poder executivo é um dos pilares fundamentias da democracia, juntamente com a separação de poderes e o sufrágio directo e universal dos cidadãos em eleições livres.

No regime democrático português, semi-presidencialista mas, como já vimos, mais parlamentar que presidencialista, com o poder executivo fortemente concentrado no governo, a fiscalização da acção governativa reparte-se formal e fundamentalmente pela Assembleia da República, pelo Presidente da República, pelo Tribunal Constitucional, e pelo Tribunal de Contas.

O Parlamento, a Assembleia da República, órgão do poder legislativo, é também o órgão de fiscalização do governo por excelência. É ao Parlamento que o governo presta contas, e é o Parlamento que lhas exige. Talvez por isso se chame Assembleia da República, e não simplesmente Assembleia Legislativa.

São muitas as decisões do governo que dependem da aprovação parlamentar, dependência que emana justamente do poder de fiscalização da Assembleia da República. Mas não se esgotam aí as suas competências de fiscalização, prolongam-se pelos trabalhos das comissões parlamentares das diferentes áreas, e pela capacidade de chamar, a essas comissões ou ao plenário, os membros do governo sempre que entenda que há actos da governação a eslarecer.

O Presidente da República tem também competências de fiscalização do governo, que se revelam, sem que se esgotem, na promulgação dos seus actos legislativos. Não se esgotam nesse acto de ratificação, espalham-se por tudo aquilo que cabe no que se convencionou chamar a magistratura de influência do Presidente. Ao "chamar a Belém" o chefe do governo, ou quaisquer ministros do elenco governativo, o Presidente não só influencia ou previne a acção governativa, mas também a fiscaliza.

Também o poder judicial dispõe de órgãos de fiscalização do poder executivo: o Tribunal Constitucional, que fiscaliza os actos do governo, mas também os do poder legislativo, no que respeita ao cumprimento dos preceitos da Constituição; e o Tribunal de Contas, que fiscaliza os actos do governo à luz dos princípios da transparência e do rigor da gestão da coisa pública.

Mas, numa democracia adulta, sólida e saudável, a opinião pública e a cidadania são - devem ser! - os mais importantes agentes de fiscalização do poder executivo. E nessa democracia, adulta, sólida e saudável, não há opinião pública nem cidadania sem uma comunicação social independente, forte e competente.  

Também aqui a nossa democracia já viveu melhores dias. Estará mesmo a viver os piores dos seus piores dias!

Programa de governo

por Eduardo Louro, em 09.05.20

A estratégia de António Costa para combater o desemprego - Jornal ...

 

A acção governativa, o exercício por excelência do poder executivo, guia-se  por um programa. Um plano programático delineado de acordo com as opções políticas apresentadas a sufrágio popular e, nessa medida, legitimado pelo voto democrático.

Quanto mais expressivo for o resultado eleitoral alcançado, mais perto o programa do governo poderá ficar programa eleitoral sufragado. Quanto menos expressivos forem os resultados eleitorais menor será a capacidade de influência no programa do governo. Quanto mais dispersos forem os resultados eleitorais, maior é a necessidade de arranjos e acordos parlamentares e, naturalmente, o indispensável cruzamento de programas eleitorais.

A democracia representativa tem justamente aqui um dos seus pilares. Os eleitores não escolham apenas os seus representantes no Parlamento que, depois, aprovando o programa que o governo lhe apresenta, aprovam a governação. Os eleitores escolhem entre programas políticos. Ou deviam.

Na realidade poucos são os eleitores que conhecem os programas políticos  que se apresentam a sufrágio, e que exercem conscientemente o seu voto em função das opções que, dessa forma, lhe são apresentadas. E essa é, logo à partida, a primeira grande brecha na cidadania, e uma das maiores fragilidades das democracias actuais.

São cada vez menos os cidadãos que exercem o seu dever de voto na generalidade das democracias, e na portuguesa em particular. E os que vão votar, os cidadãos eleitores, exercem a sua opção mais em função de simpatias políticas, numa espécie de clubismo, e de apelos e sugestões do marketing político, do que propriamente em função da avaliação que fazem dos programas que lhe são apresentados. A que não ligam muito, nos tempos que correm...

Ninguém parece muito preocupado com isto. E menos ainda em alterar este estado de coisas. Pelo contrário. Cada vez mais os actores políticos privilegiam o sound byte, a ideia simples que passe facilmente, mesmo que não tenha qualquer espécie de substância. Importa-lhes o que melhor passe na televisão. E, agora, claro, nas redes sociais, onde a manipulação não conhece limites . E a promessa fácil, que mais facilmente se possa descartar na primeira oportunidade.

O programa de governo que, em tese, seria uma peça da espiral no círculo virtuoso da democracia, acaba assim por ser apenas uma peça decisiva do funcionamento da máquina do regime. Tão formalmente decisiva que a sua aprovação se confunde com a aprovação do governo. Não é o governo que passa ou não passa no Parlamento. É o programa do governo!

Administração pública

por Eduardo Louro, em 01.05.20

BBC - Comedy - Yes Minister

 

Se são os governos a sede do poder exectivo formal, é na administração pública que ele se manifesta. É a máquina do Estado que exerce o poder de facto, é ela que mexe todos os cordelinhos, e que tece as verdadeiras teias do poder.

Controlar essa máquina, ou deixar-se por ela ser controlado, é sempre, em tese, o primeiro e principal dilema de um governo.

Essa máquina é transversal a todos os regimes, e países, mesmo que com pesos muitos distintos no seu funcionamento. Inglaterra, mas também Itália, são dois exemplos de regimes com forte tradição de administração pública, com poderosas máquinas de Estado, que se sobrepõem aos governos. Para o bem e para o mal. Condicionando-os fortemente, como no caso inglês, ou respaldando-lhe as debilidades, como no italiano.

A excelente série britânica, o clássico "Yes minister", na forma e na exuberãncia com que caricatura a submissão dos membros do governo ao pragmatismo dos manhosos altos funcionários do reino, mostra-nos o verdadeiro poder da administração pública inglesa. E a História italiana mostra-nos como um país consegue sobreviver, sem grandes dramas, a quedas sucessivas de governos, e a largos períodos de vazio de poder.

Portugal não tem esta tradição. Em Portugal a tradição alinha com a tese da sacro-santa confiança política. O governo, para garantir a sua eficácia, tem de ter a confiança política da máquina, um eufemismo - somos um país de eufemismos - de confiança política na máquina. Parece a mesma coisa, mas não é!

Em Portugal muda o governo e logo surge uma frenética dança de cadeiras ao longo de toda a máquina. Que, à convencional administração pública, dos gabinetes ministeriais, das delegações e das direcões gerais, com o passar dos anos, foi juntando uma série de entidades reguladoras e umas larguíssimas dezenas de institutos públicos.

Tudo sob o amplo chapéu, um largo sombrero mexicano, da confiança política, eufemismo - mais um - dos jobs for the boys que Guterres imortalizou, em mais uma dos paradoxos da política nacional. Que, sendo um dos factores do anquilosamento da administração pública, é também um dos factores de bloqueio do regime.

A discussão rodará sempre em torno do dilema central entre uma administração pública de alta competência profissional, capaz de manter todas as pontas do país bem seguras, mas necessariamente poderosa, e porventura capaz de sabotar as decisões do poder democrático; e uma administração pública às ordens de um poder eleito, mas porventura sem competência crítica para filtrar decisões e induzir-lhe conhecimento e eficácia.

Sendo que a velha aspiração popular de "chuva no nabal e sol na eira" continua inatingível, talvez valha mesmo a pena procurar o meio, o sítio onde se localiza a virtude. Cortar de vez com a relação entre "confiança política" e os " jobs for the boys" talvez ajude a encontrá-lo.

 

 

 

 

Os governos do poder provisório

por Eduardo Louro, em 25.04.20

 

Do Movimento das Forças Armadas que há 46 anos saiu à rua para depor o governo de Marcelo Caetano, pôr os Pides a fazer xi-xi pelas pernas abaixo, acabar com uma ditadura podre de velha e dar início a uma revolução, saíram os primeiros órgãos do poder executivo que se pretendia provisório. 

O poder executivo estruturado, esse haveria de sair de eleições livres, sempre negadas aos portugueses, como se a elas não tivessem direito. Ficou logo dito pelos capitães de Abril, para que não restassem dúvidas. 

Quando Marcelo Caetano, retido no Quartel do Carmo onde se refugiara sob a protecção da GNR, condicionou a sua rendição à simbólica passagem do poder ao General Spínola, introduziu o primeiro grão de areia na engrenagem pura e virgem de Salgueiro Maia.

Como não percebiam patavina do manuseamento daquelas armas do poder, os capitães de Abril sabiam que teriam de o entregar às mãos de gente que soubesse mais um bocadinho daquilo e que fosse levada mais a sério. Aquilo era coisa para generais e almirantes, não para capitães!

E o primeiro órgão de poder foi logo apresentado ao país no dia seguinte, a 26 de Abril de 1974. Chamou-se Junta de Salvação Nacional, e era composta por sete elementos: António de Spínola, Francisco da Costa Gomes, Jaime Silvério Marques, Diogo Neto, Galvão de Melo, Pinheiro de Azevedo e Rosa Coutinho, cinco generais e dois almirantes, representando os três ramos das forças armadas. Spínola, com a unção de Marcelo Caetano e, de todos, o de maior notariedade pública, assegurou a presidência da junta militar e, por inerência, logo de seguida, a Presidência da República.

O governo, provisório evidentemente, tomaria posse três semanas depois, a 16 de Maio, já a revolução ia fazendo caminho. Na altura era apenas o governo provisório, chefiado por Adelino da Palma Carlos, um prestigiado advogado que na ditadura se tinha salientado na defesa de activistas políticos perseguidos pelo regime. Quando lhe permitia alguma espécie de defesa, bem entendido. Pouco depois passaria a ficar para a História como I Governo Provisório, o primeiro de seis em dois anos, e incluía representantes dos principais partidos políticos, já no terreno. Lá estavam Mário Soares, Salgado Zenha e Raul Rego do PS, Sá Carneiro e Magalhães Mota, do novíssimo PPD, Álvaro Cunhal, do PCP e um mestre - o meu mestre - o saudoso Francisco Pereira de Moura, do  MDP/CDE, então tido por um dos principais partidos do emergente xadrez político, mas também por satélite do PCP. O ministro sem gravata!  

Duraria pouco. Menos de dois meses, porque as ideias iam fervilhando, a revolução caminhando e a conspiração crescendo. Seguiu-se o segundo, já com menos gente dos partidos, e sem Sá Carneiro, que não quis continuar, e chefiado por Vasco Gonçalves, um militar do MFA que viria a tornar-se figura central do PREC, o processo revolucionário em curso.  

Duraria pouco. Porque, pouco mais de dois meses, Spínola achou que era tempo de travar a revolução, e tempo de dar outro tempo, e rumo,  à descolonização. E precipitou o 28 de Setembro, a primeira estação do PREC. Perdeu, saiu de cena e foi susbstituído na Presidência da República por Costa Gomes.

Vasco Gonçalves é que estava de pedra e cal, e voltou a encabeçar o governo. O terceiro, que pouco variou do anterior. Durou 6 meses, o tempo que Spínola demorou a preparar nova conspiração, o 11 de Março.

Nesta segunda estação do PREC a revolução acelerou o passo. A Junta de Salvação Nacional foi extinta, e no seu lugar surgiu o Conselho da Revolução que, consagrado na Constituição do ano seguinte, teria longa vida. Mas nem por isso menos conturbada.

Vasco Gonçalves lá continuava, já no quarto governo. Que tinha agora dois representantes de cada um dos três principais partidos - PS, PPD e PCP. E o regresso do mestre, do meu mestre, Pereira de Moura.

A revolução acelerava a fundo em direcção ao Verão Quente, e o quarto governo não teve pernas  para acompanhar o passo. Caiu a 8 de Agosto de 1975, no apogeu do PREC naquele Verão escaldante, para dar lugar ao V governo provisório. 

Era o governo do sim ou sopas da revolução. Já sem qualquer representante dos partidos políticos, à excepção de Francisco Pereira de Moura, um eminente académico que não era exactamente um líder partidário, e nem sequer tinha o perfil do político convencional. 

Durou 41 dias, morreu a 19 de Setembro atropelado pelo documento dos nove, que reduzira a pó o documento guia da Aliança Povo-MFA, assinava a guia de marcha do PREC e enterrava o gonçalvismo.

À frente do VI surgiu Pinheiro de Azevedo, um dos dois almirantes na antiga Junta de Salvação Nacional. Os partidos voltariam em força. Especialmente o PS, que vencera as constituintes, com seis ministros. E o PPD, em segundo lugar nessas eleições, com três. O PCP ficara com um. Melo Antunes, o intelectual e pensador do MFA, era o ministro dos negócios estrangeiros. 

Foi o último governo provisório e Pinheiro de Azevedo passou por um pouco de tudo.  Esteve sitiado em S. Bento, com os deputados, no cerco dos operários da construção civil ao edifício onde então funcionava a Assembleia Constituinte. Passou naturalmente incólume pela derradeira estação do PREC, o 25 de Novembro, e acabou por abandonar o governo um mês mais cedo para se candidatar às presidenciais, poucos dias depois, sendo substituído por Almeida e Costa. Que levaria o VI governo até ao fim, passando a pasta ao I governo constitucional, em 23 de Julho de 1976.

Conhecido por um certo desbragamento, Pinheiro de Azevedo acabaria por nunca ser levado muito a sério. Nas presidenciais de 27 de Junho de 1976, concorrendo, entre outros, com Eanes e Otelo, não teve grande sucesso. Que também não conheceria na liderança do Partido da Democracia Cristã - um partido marginal ao sistema, que tivera grandes dificuldades em constituir-se, e onde a Igreja começara por apostar as fichas todas - a que se dedicaria um ano depois. 

A História dos seis governos provisórios saídos do 25 de Abril, que hoje comemoramos como podemos, não é a História de dois anos alucinantes da revolução dos cravos. Mas uma não se faz sem a outra!

E viva o 25 de Abril!

Uma história de governos

por Eduardo Louro, em 18.04.20

Expresso | Decreto-lei do Governo sobre PPP chumbado no Parlamento

 

Num regime semi-presidencialista, como o nosso, o poder executivo distribui-se pelo governo e pela presidência da república. Mas é o governo, com as suas emanações pelo aparelho de Estado fora, a sede central do poder executivo. Vigiado, evidentemente,  pelo Parlamento, que é quem lhe dá o sustento político, na dimensão parlamentar da outra metade do regime, eventualmente maior que a simples metade.

Os cidadãos votam em eleições legislativas que determinam a sua representação na constituição da Assembleia da República. Daí sai a fórmula de governo que chega ao Presidente da República, donde depois parte um convite, pessoal e intransmissível, para a formação do governo, já na cabeça, e não só, do convidado.

Às vezes as coisas não correm tanto assim, e às vezes não correm assim tão bem. Não têm sido poucas, estas vezes. Pode dizer-se que, sempre que das eleições não saem maiorias absolutas, o país cai nessas vezes. E sabe-se que essas maiorias não são assim tão frequentes... De um só partido são mesmo bem raras, aconteceram apenas por três vezes - duas consecutivamente, nos últimos anos da década de oitenta e nos primeiros da de noventa, e outra no início da segunda metade da primeria década deste século.

As coisas começaram a não correr bem logo no arranque do regime, em 1976. Nas primeiras eleições, um ano antes, não houve problema - eram constituintes. Não seria por falta de maioria que o gato iria às filhoses. Que se entendessem a fazer a Constituição, e a verdade é que se entenderam.

Depois, quando chegaram as legislativas e o tempo de governos constituicionais é que foram elas

O primeiro governo constitucional, saído da vitória do PS nas eleições de 1976, chefiado por Mário Soares, durou ano e meio. Em Janeiro de 1978 tomava posse o segundo, com o mesmo primeiro-ministro, mas então de braço dado com o CDS. Durou ainda menos, pouco mais de seis meses, esgotando-se aí a capacidade de entendimento do Parlamento, para dar lugar a uma sucessão de governos de inspiração presidencial (adorável, esta expressão). Foram três: o primeiro, chefiado por Nobre da Costa, um prestigiado engenheiro e executivo empresarial, nem chegou a ser aprovado pela Assembleia da República, e durou menos de três meses, no final do Verão de 1978. O Segundo, liderado por Carlos Mota Pinto, um dirigente do então PPD que andou dentro e fora, então fora, foi o de maior longevidade, e chegou aos sete meses. E o terceiro, de Lourdes Pintassilgo, também engenheira e também de fora do xadrez partidário, uma católica alinhada com o terceiro mundo (na altura discutia-se uma ideia estratégica para o país, a que chamavam vocação, entre a opção atlãntica, a europeia ou a mediterrânica, com o aprofundamento da ligação ao Norte de África e ao terceiro mundo em geral), durou cinco meses.

Porque entretanto, em Dezembro de 1979, Sá Carneiro concorreu às eleições com uma coligação - Aliança Democrática (AD) - muito abrangente que, para além do PPD e do CDS, de Freitas do Amaral e Amaro da Costa, incluía o PPM de Gonçalo Ribeiro Telles, o conceituado arquitecto paisagista dado por pai do movimento ecologista em Portugal, o único ainda vivo de todos os até agora nomeados, e os chamados Renovadores, um grupo de dissidentes do PS encabeçado por António Barreto e José Medeiros Ferreira, e alcançou a primeiria maioria parlamentar. E formou o VI governo constitucional, que não chegou a durar um ano. Desta vez não por falta de apoio parlamentar, mas pelos trágicos acontecimentos de Camarate.

Foi então chamado a formar governo o nº2 do PPD, que passara a nº1, Pinto Balsemão. Que não chegou a durar oito meses. Com o PPD consumido em guerras intestinas de disputa de poder, o demitido Balsemão não teve outro remédio que suceder a Balsemão no oitavo governo constitucional, para levar penosamente, e já numa das maiores crises económicas do país, até ao fim os últimos dois anos da legislatura. 

Em 25 de Abril de 1983 o PS voltaria a ganhar as legislativas, mas sem maioria. A situação do país empurrou o regime pela primeira vez - e única, até à data - para uma solução de bloco central, na coligação dos dois maiores partidos num governo chefiado, de novo e pela última vez, por Mário Soares. Durou dois anos, de profunda crise económica e social. Durou o tempo que ainda durou a crise, e o que o PSD demorou a resolver o seus problemas de liderança. As coisas nunca são assim tão distintas.

Chegado à liderança, no tal congresso da Figueira da Foz onde, segundo a lenda, se teria deslocado para fazer a rodagem ao seu novo Citroen BX, Cavaco Silva rasga os acordos do bloco central, manda o governo abaixo e provoca eleições antecipadas, marcadas para 6 de Outubro de 1985. Que ganha, mas sem maioria. Porque o novo PRD, de inspiração eanista, emergiu para o primeiro plano do xadrez político nacional. Voltou a durar pouco, este X governo constitucional, e primeiro de Cavaco Silva. Pouco mais de ano e meio, porque o PRD, já em desagregação e com os cálculos furados, apresentou e fez aprovar, no início do Verão de 1987, a moção de censura que o derrubou. A primeira, e única, até ao momento.

As eleições de 18 de Julho varreram o PRD do mapa político do país, abriram o ciclo das maiorias absolutas de um só partido, e as portas de um largo período que ficaria conhecido por cavaquismo, uma espécie de sub-regime dentro do regime.

Para trás ficavam onze anos. E dez governos. Para a frente ficariam outros tantos em 33 anos!

Quando, 10 anos depois de entrar para o governo, Cavaco Silva decidiu entregar a sucessão a Fernando Nogueira, o PS voltou a ganhar as eleições. Com 112 mandatos, muitos mas insuficientes para uma maioria parlamentar, António Guterres tornou-se no primeiro - e único, até agora - chefe de um governo sem maioria na Assembleia da República a completar uma legislatura.

E com sucesso. Nas eleições seguintes, na viragem do milénio, reforçaria a votação. Mas não ultrapassava os 115 mandatos, ficando exactamente com metade dos deputados no parlamento. O seu novo governo não tinha por onde cair, mas também não tinha muito a que se agarrar, quando o terreno que pisasse se tornasse movediço. E tornou. Tanto que Guterres lhe chamou pântano. Que abandonou quando, pouco mais de dois anos depois e com a tragédia de Entre-os-Rios pelo meio, na sequência de uma pesada derrota eleitoral nas autárquicas, apresentou a demissão. Como já tinha feito Mário Soares, e como viria Sócrates, anos depois, a ser obrigado a fazer.

Nas eleições que se seguiram, em Março de 2002, o PSD voltaria ao poder, depois de uma vitória muito apertada sobre o PS, então de Ferro Rodrigues, em tempos em que valia tudo à volta do escândalo Casa Pia. Agora de braço dado CDS, já de Paulo Portas, Durão Barroso foi indigitado para chefe do XV governo constitucional. Que durou pouco mais de dois anos. Durão Barroso não resistiu ao canto da sereia de Bruxelas e partiu, entregando as chaves do XVI governo a Santana Lopes. 

Não resistiu mais de seis meses às famosas trapalhadas. Jorge Sampaio usou pela primeira vez a bomba atómica do regime para pôr fim àquilo a que o país percebera que teria de pôr fim. E dissolveu a Assembleia da República, ainda os portugueses limpavam as lágrimas da final euro 2004. 

Das eleições seguintes, em Fevereiro de 2005, saiu a primeira maioria absoluta do PS. Provavelmente a última maioria absoluta de um só partido no regime. José Sócrates, esse, governou por quatro anos. Em 2009 já não repetiu a maioria, e foi o que se viu. Obrigado pelo ministro das finanças, Teixeira dos Santos, a demitir-se, depois de PEC´s para trás e para a frente. E a entregar o país, de rastos, à troika...

À troika e a Passos Coelho. Que, com Cavaco há muito em Belém, e de novo de braço dado com Paulo Portas, atingiria finalmente o velho sonho de Sá Carneiro: um presidente, uma maioria, um governo!

Um governo que, sentado numa maioria, voltaria a concluir a legislatura. Difícil e penosa, especialmente para a imensa maioria dos portugueses. 

Quatro anos depois essa maioria voltaria a eleições, em coligação pré-eleitoral, como em 1979. E toda agente sabe o que aconteceu: o Presidente da República convidou o líder da força política mais votada para formar governo, e Passos Coelho foi empossado como chefe do XX governo constitucional, que a Assembleia da República chumbaria. Foi a segunda vez que inviabilizou um governo.

E a primeira que impôs uma solução governativa a um Presidente da República. Que, manifestamente contrariado, acabou por aceitar António Costa como chefe do primeiro governo formado por uma força política que não tinha sido a mais votada nas eleições, apoiado numa maioria parlamentar de esquerda. 

O resto é história recente. E é o regresso, na legistura em curso, a um governo minoritário. Daqueles que em regra não conseguem concluir o mandato de quatro anos.

Numa história de tantos governos, cada um tem a sua. Como pertence!

 

PS: Mais de um ano depois o Rasurando está de volta. E estou de volta com ele!

 

 

 

 

Mandatos na Assembleia da República

por Eduardo Louro, em 29.03.19

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A Assembleia da República é a sede do poder legislativo, e apropriadamente chamada “casa da democracia”.

Lá estão 230 deputados, os representantes do povo, eleitos democraticamente por círculos plurinominais para mandatos de 4 anos. Os círculos eleitorais correspondem aos distritos, por onde cada concorrente às eleições legislativas, partido ou coligação, apresenta a lista de candidatos que leva a votos. Recolhidos e contados votos na candidatura, recorre-se a um modelo matemático (no caso, o conhecido método de Hondt) para os converter em mandatos.

Atribuídos os mandatos, e transformados os candidatos em deputados, constituem-se os diferentes grupos parlamentares dos partidos ou coligações que concorreram às eleições e tiveram expressão eleitoral suficiente para transformar votos em mandatos.

Nesta matriz de funcionamento democrático do nosso poder legislativo tudo é questionável, evidentemente. Não basta votar em eleições livres para ter assegurada a escolha democrática daqueles que nos vão representar na sede do poder legislativo. É necessário assegurar a democraticidade do processo de representação.

Dentro da facilidade com que se resvala para o populismo, é frequente ouvir dizer que 230 deputados é uma enormidade, que metade seria suficiente, e o país pouparia aí suficientes recursos financeiros que sempre faltam em todo o lado. Pois, mas reduzir o número de deputados é diminuir a expressão política de muitas correntes de opinião, e é certamente varrer o pluralismo político de muitas regiões do país, com consequências que podem até pôr em causa a unidade nacional, provavelmente o maior activo do país.

Também a dialéctica entre círculos plurinominais e uninominais passa muito por aí. Muita gente vê nos círculos uninominais a salvação dos mecanismos democráticos da representação, e factor decisivo para revitalizar a nossa desacreditada democracia e voltar a aproximar os cidadãos da política. Se é certo que, em tese, os círculos uninominais favorecem a proximidade entre eleitor e eleito, e a maior responsabilização do leitor perante quem o elegeu, também é verdade que a maioria dos eleitores pode facilmente ficar por representar. E que, se aproxima uns, afasta outros.

Também o método escolhido para a conversão dos votos em mandatos é determinante nos mecanismos da representação, aqui a contas com o relevante princípio da proporcionalidade. O método de Hondt fere significativamente as melhores regras da proporcionalidade e privilegia claramente os mais votados, e não trata por igual todos os partidos.

O que, podendo ferir os mais puristas, não é necessariamente mau. E poderá mesmo ser visto como uma espécie de sistema imunitário do regime. Porque o ponto de intercepção da curva da representação democrática com a da eficácia da democracia, acontecerá sempre no nível mais alto da representação e no mais baixo da eficácia. 

 

PS: Esta foi a minha última participação como autor deste blogue. Agradeço aos leitores a atenção que me dispensaram, e aos colegas, e em particular à Sarin, a oportunidade de participar neste projecto.

 

O poder de fazer leis

por Eduardo Louro, em 27.03.19

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Lá porque se identifica o poder legislativo com a Assembleia da República, não quer dizer que o parlamento disponha do monopólio dos actos legislativos. Longe disso, produzem-se actos legislativos, fazem-se “leis”, em praticamente tudo o que seja órgão de soberania. Nunca antes tinha pensado nisso mas, se calhar, está aí a razão dos nossos excessos legislativos, que começam por sempre acharmos que tudo se resolve com uma lei.

Quem não ditar lei, não tem poder. Não é soberano. Ou não tem soberania para exercer.

Da Assembleia da República sai a Lei, que ocupa o topo da pirâmide hierárquica do edifício legislativo, que não é um edifício a sério para não ser uma construção tipo Louvre, que os franceses não autorizariam.

É por isso que nada nem ninguém está “acima da lei”. Claro, se ela está no topo, no sítio mais alto, nada pode ter em cima… O problema é que estamos fartos de saber que não é nada assim, e que não só há muitas “pessoas acima da lei”, como há ainda muitas com leis só para elas… Justamente para que nunca sejam foras-da-lei.

Se calhar não são leis. Bastam-lhe decretos-lei. Que são leis à mesma, a que temos que nos vergar exactamente da mesma maneira, mas produzidas no governo.

Quando dizemos que a Lei é produzida na Assembleia da República, e o Decreto-Lei no governo estamos, ou a simplificar um bocado, ou a esquecer a maior parte do aparelho de produção porque, na verdade, umas e outros são fabricados em um ou dois grandes gabinetes de advogados. Pelo menos é aí a secção de acabamento, onde lhe é dado o toque final que lhe há-de deixar aquele buraquinho … para mais tarde recordar. É daí que saem direitinhas para o Diário da República...

É assim - mal comparado, evidentemente - como mandar fazer a uns tipos um cofre para guardar e proteger uns bens e deixá-los ficar com as chaves do cofre.  

O Presidente da República também se mete nos decretos-lei. Não se sabe se também os manda fazer nas oficinas dos advogados, mas admite-se que não. É pouca coisa, pequenas quantidades, não dá para negócio.

Também as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, dos Açores e da Madeira, produzem Decretos. Não os decretos-lei, que esses são todos do governo, mas os Decretos Legislativos Regionais, que são bem capazes de também passar pela fase de acabamento nuns escritórios de advogados do Funchal ou de Ponta Delgada. Mas isso já são coisas mais difíceis de saber…

Dir-se-ia que os Tribunais constituem o único órgão de soberania sem capacidade legislativa. Faz sentido que, e esqueçamos que não conseguimos perceber essa intervenção dos advogados, quem aplica a Lei, não a faça. Mas essa é apenas mais uma ilusão do sistema. O sistema judiciário não se limita a aplicar a lei. Tem de a interpretar, e de deixar essa interpretação expressa nos acórdãos dos juízes, que passam a constituir jurisprudência. Não produzem Lei, mas fazem doutrina, com autêntica força de lei, como se de lei se trate.

 

A Presidência da República no feminino

por Eduardo Louro, em 22.03.19

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Tenho gosto e o privilégio de partilhar este espaço com duas colegas, e de com elas dividir opiniões sobre estes temas da nossa vida colectiva. Chegados, no alinhamento a que nos propusemos, à Presidência da República – expressão do género feminino – o candente tema da igualdade de género, e da igualdade de oportunidades, era quase incontornável.

Sendo incontornável, a curiosidade está na subtileza com que foi introduzido. A propósito da idade mínima para a candidatura a Presidente da República, a Sarin tendia a achar “que um puto a chefiar o país” não seria coisa séria ... se não houvesse putos como Malala Yousafzai e Greta Thunberg. Putos que não são exactamente miúdos, são miúdas!

Também a evocação da figura da "Primeira Dama" não escapa à subtileza da descriminação que o próprio papel subtilmente concentra.

É diferente a subtileza com que a Mami introduz o tema, ao transportá-lo para o Conselho de Estado. Porque o grito que deixa, esse é bem expressivo, não é para passar despercebido. E se fosse, não passaria…

Não sei se faltará muito ou pouco tempo para que, por cá, as coisas deixem de ser assim. Não sei se teremos um Presidente da Republica mulher nos próximos anos, mas sei que mais tarde ou mais cedo isso acontecerá inevitavelmente.

Como modesto contributo para a causa, e em homenagem às minhas ilustres colegas de rasura, decidi recuperar a História das candidaturas presidenciais no feminino. Uma História com pouco mais de 30 anos…

Apenas nas terceiras eleições presidenciais da nossa democracia, em 1986, surgiu a primeira candidatura feminina, de Maria de Lurdes Pintassilgo, que até já tinha ocupado as funções de primeira-ministra, em 1979, no último, e mais duradouro, dos três curtos governos de iniciativa presidencial, no primeiro mandato de Ramalho Eanes, continuando ainda a única mulher a chefiar um governo em Portugal.

Aconteceu nas mais disputadas eleições presidenciais de sempre, e foi uma candidatura que gerou forte mobilização popular. Apoiada pelo PRD, o tal partido de inspiração eanista, usufruiu do seu forte carisma pessoal, do do próprio Ramalho Eanes, e da expressão renovadora do novo partido, com assinalável apoio popular expresso, poucos meses antes, no notável resultado eleitoral das legislativas de Outubro de 1985. Viria ainda a contar com o apoio discreto do PCP, cujo (habitual) candidato (Ângelo Veloso) desistiria à boca das urnas.  

Não teve qualquer apoio das elites políticas, pelo contrário. Em tempo de adesão à então CEE, católica de esquerda, era tida por anti-europeísta e por privilegiar o alinhamento com os países em vias de desenvolvimento, do então chamado terceiro mundo.

Com 420 mil votos (7%) foi a menos votada dos quatro candidatos, mas não deixa de ser uma mulher que deixou marcas na sociedade portuguesa.

Não deixou foi sementes para que novas candidaturas femininas pudessem germinar. Foi preciso esperar 20 anos para se voltar a falar de mulheres candidatas a Presidente da República, mesmo que sem qualquer espécie de sucesso. Em 2006, Carmelinda Pereira, uma histórica política nacional que, depois de expulsa do Partido Socialista em 1977, onde fora deputada constituinte e legislativa, fez carreira com o marido, Aires Rodrigues - outro histórico - num pequeno partido político radical, marginal ao regime, mas sempre a aparecer teimosamente em cada cenário eleitoral, não conseguiu as famigeradas 7.500 assinaturas que lhe viabilizassem a candidatura.

Pelo mesmo caminho ficou Maria Teresa Lameiro, uma funcionária pública que, se não era conhecida, desconhecida ficou. Nem o Dr Google sabe nada dela!

Dez anos depois, nas últimas eleições, voltaram a surgir duas candidatas, que desta vez chegaram mesmo aos boletins de voto. Maria de Belém surgiu como a reedição das já habituais clivagens no Partido Socialista em disputas presidenciais, ao protagonizar uma candidatura pouco (ou nada) afirmativa, apenas para marcar uma reacção de certos sectores do partido à aposta em Sampaio da Nóvoa. O resultado, que não chegou sequer aos 200 mil votos (4%) foi um desastre maior que o anunciado.

Marisa Matias, a deputada europeia do Bloco de Esquerda, foi a outra mulher a candidatar-se nestas últimas eleições, naturalmente com o apoio do seu partido. E apenas a terceira nesta História!

A terceira na História destas eleições, com perto de meio milhão de votos (10%), e a terceira da História das candidatas presidenciais. Onde figura como a mulher mais votada de sempre!

Sentido de Estado

por Eduardo Louro, em 20.03.19

 

O sentido de Estado é um dos mais fortes atributos da condição de presidenciável. Para além daquelas condições legais básicas que aqui já foram referidas e abordadas, o sentido de Estado é um atributo fundamental para quem pretender integrar a elite presidenciável. Um cidadão português, com capacidade eleitoral e com mais de 35 anos, pode ter tudo, mas se não tiver sentido de Estado, nada feito. Belém fica como Braga, só avistado por um canudo...

Em quase tudo na vida, mais importante do que o que somos, é o que parecemos. A diferença entre o ser e o parecer é facilmente escrutinável em tudo o que possa ser objecto de ser medido. Um tipo pequenote, pode até parecer alto, mas facilmente se lhe chega à altura, e essa não engana. Já é de difícil objectivação em tudo o que se não possa medir.

E não há nada que meça o sentido de Estado. Por isso é tão fácil parecer que se tem!

Pior que não se poder medir, é nem sequer se saber muito bem o que é. Uma coisa é não se saber medir outra coisa, mas saber o que ela é. Olhar e identificá-la. Não a conseguimos medir, mas vemo-la. Outra, é não saber o que é, e portanto não a poder ver.

E a verdade, a grande verdade, é que ninguém sabe o que é. Ninguém sabe que é isso do sentido de Estado. E no entanto toda a gente acha que o percebe à distância… Que, nisso, ninguém os engana.

Entre um tipo mais circunspecto, ou até austero, e outro mais solto, a maioria das pessoas dirá que o austero é que tem sentido de Estado. Quando pode ter apenas mais mau feitio. E na maioria das vezes tem mesmo... O próprio sentido de Estado, tem dias… Um certo comportamento pode, para uns, ser determinado pelo sentido de Estado e, para outros, por simples interesses meramente conjunturais. Os interesses, de resto, são facilmente arrumados na prateleira mais nobre do sentido de Estado, quando deveriam ser duas coisas bem distintas. Mesmo os do Estado, que são os que na maioria das vezes menos interesse têm…

Sentido de Estado não é sentimento de Estado. O Estado, mesmo que não tenha sentimentos, sente-se. Faz-se sentir. Sermos nós, simples cidadãos comuns, quem mais o sente, não faz de nós cidadãos com sentido de Estado. Faz apenas de nós gente sentida com o Estado!

O exercício da presidência

por Eduardo Louro, em 16.03.19

Resultado de imagem para abraço e afeto

 

O nosso regime semipresidencialista confere à Presidência da República um estatuto político que se poderá dizer privilegiado. A sua eleição por sufrágio directo garante-lhe à partida uma certa almofada de conforto eleitoral. É que terá sempre de ser eleito por mais de metade dos votos dos portugueses, o que, mesmo nas disputas mais apertadas, lhe garante uma apreciável base de apoio. Que é geralmente alargada na própria noite eleitoral: não é por acaso que, invariavelmente, a primeira declaração do Presidente eleito é afirmar-se “Presidente de todos os portugueses”!

Com um primeiro mandato invariavelmente gerido em função do objectivo de alargar a sua base eleitoral, o novo Presidente parte sempre com uma forte propensão para agradar aos eleitores. Como, por outro lado, está a salvo da impopularidade da governação – o seu reduzido espaço de intervenção executiva não o obriga a expor-se ao custo das decisões – o Presidente tem tudo para funcionar como a válvula de escape do regime, como um ombro amigo às ordens da frustração dos cidadãos.

A conjugação destas duas condições resulta geralmente numa espécie de mola que facilmente o empurra para os picos da popularidade. Uns fazem-no melhor que outros, como acontece com tudo. E ninguém até hoje o fez melhor que o Presidente em exercício.

Mas, deve também dizer-se, nunca antes alguém preparou tão bem este exercício de sucesso. Nem porventura houve quem tenha encontrado melhor oportunidade e melhores condições para isso. Com o caminho bem preparado, com um grande resultado eleitoral, e entrando em funções num período de um certo pessimismo e demasiado crispado – muito por culpa de um final de mandato verdadeiramente desastrado do seu antecessor, mas também pela circunstância de, pela primeira vez na democracia portuguesa, um governo não ter saído do partido mais votado, mas de uma maioria parlamentar que nunca tinha funcionado como tal – o Presidente acabaria por encontrar o tempo e as circunstâncias ideais para um modelo de presidência para que estava especialmente vocacionado.

Modelo que não é no entanto inesgotável. Bem pelo contrário, com a alteração das circunstâncias, e com outro tempo, a mais de um ano do fim do mandato, o modelo começa a dar sinais de saturação - a fronteira entre popularidade e populismo é apenas um deles – e a exigir significativos ajustamentos, a desafiar a capacidade de reinvenção do actor que poderá ter ficado refém da personagem.

 



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Não falamos da actualidade, do acontecimento. Nem opinamos sobre uma notícia.

Falamos de política num estado mais puro. Sem os seus actores principais, os políticos - o que torna o ar mais respirável. E os postais sempre actuais; por isso, com as discussões em aberto.

A discussão continua também nos postais anteriores, onde comentamos sem constrangimentos de tempo ou de ideias.





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