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O sentido de Estado é um dos mais fortes atributos da condição de presidenciável. Para além daquelas condições legais básicas que aqui já foram referidas e abordadas, o sentido de Estado é um atributo fundamental para quem pretender integrar a elite presidenciável. Um cidadão português, com capacidade eleitoral e com mais de 35 anos, pode ter tudo, mas se não tiver sentido de Estado, nada feito. Belém fica como Braga, só avistado por um canudo...
Em quase tudo na vida, mais importante do que o que somos, é o que parecemos. A diferença entre o ser e o parecer é facilmente escrutinável em tudo o que possa ser objecto de ser medido. Um tipo pequenote, pode até parecer alto, mas facilmente se lhe chega à altura, e essa não engana. Já é de difícil objectivação em tudo o que se não possa medir.
E não há nada que meça o sentido de Estado. Por isso é tão fácil parecer que se tem!
Pior que não se poder medir, é nem sequer se saber muito bem o que é. Uma coisa é não se saber medir outra coisa, mas saber o que ela é. Olhar e identificá-la. Não a conseguimos medir, mas vemo-la. Outra, é não saber o que é, e portanto não a poder ver.
E a verdade, a grande verdade, é que ninguém sabe o que é. Ninguém sabe que é isso do sentido de Estado. E no entanto toda a gente acha que o percebe à distância… Que, nisso, ninguém os engana.
Entre um tipo mais circunspecto, ou até austero, e outro mais solto, a maioria das pessoas dirá que o austero é que tem sentido de Estado. Quando pode ter apenas mais mau feitio. E na maioria das vezes tem mesmo... O próprio sentido de Estado, tem dias… Um certo comportamento pode, para uns, ser determinado pelo sentido de Estado e, para outros, por simples interesses meramente conjunturais. Os interesses, de resto, são facilmente arrumados na prateleira mais nobre do sentido de Estado, quando deveriam ser duas coisas bem distintas. Mesmo os do Estado, que são os que na maioria das vezes menos interesse têm…
Sentido de Estado não é sentimento de Estado. O Estado, mesmo que não tenha sentimentos, sente-se. Faz-se sentir. Sermos nós, simples cidadãos comuns, quem mais o sente, não faz de nós cidadãos com sentido de Estado. Faz apenas de nós gente sentida com o Estado!
Se, como diz o povo, que é sempre quem mais sabe destas coisas, o segredo é a alma do negócio, como o negócio é a alma da nossa relação com o Estado, o segredo é a alma da relação entre o Estado e os cidadãos.
Uma relação assim tem tudo para não dar certo. Sabemos bem que a relação perfeita é aquela onde não há segredos. Sempre que queremos demonstrar a solidez de uma relação, seja em que domínio for, não encontramos melhor forma de a expressar que dizer “entre nós não há segredos”.
Tretas. Sabemos que não dizemos isso porque seja rigorosamente verdade. Quando dizemos isso da nossa relação com os nossos filhos, que é excelente porque entre nós não há segredos, sabemos bem que não é assim. Sabemos que nos escondem em segredo tudo o que entendem que não temos nada que saber. Como não é bem assim com a/o nossa/o companheira/o, onde há sempre muita coisa que o melhor, mesmo, é que o outro não saiba. E muito menos com os nossos amigos, se prezarmos os mínimos da prudência. Já a minha avó me dizia em pequenino: “não contes o teu segredo a ninguém, se tens um amigo, o teu amigo, amigos tem”…
Na verdade, quando dizemos que “entre nós não há segredos” não estamos a revelar uma relação perfeita mas, apenas, a puxar do sentido de Estado que há em cada um de nós para a credibilizar. Mais nada!
Com o Estado as coisas não funcionam assim. Já aqui vimos que o Estado e os cidadãos fazem da sua relação um jogo de gato e do rato. Cada um só pensa na maneira mais rápida e mais ágil de enganar o outro e, quando assim é, vale tudo. Ou pelo menos o segredo vale muito!
Talvez seja por isso que, achando o segredo um direito inalienável, valorizemos tanto o(s) segredo(s) de(o) Estado.
Repare-se:
- “Isso não posso revelar, é segredo de Estado”!
- “Pronto, não se fala mais disso”…
Mas se fôr:
- “Isso não posso revelar, a Maria pediu-me segredo”
- “Vá lá, deixa-te disso, conta lá”…
Se algum dos nossos amigos argumenta com o segredo, já sabe que … está feito. Não se safa dali sem se desbocar completamente. Já o homem (que me desculpem as mulheres, mas…) de Estado, quanto mais segredos invocar, mas estadista fica. Quanto mais explorar a sua condição de dono do segredo, mais pose de Estado adquire e mais sentido de Estado exala!
Todos os que exercem funções públicas fazem-no por devoção e amor ao Estado, todos o sabemos.
Nada tem a ver com jogos de poder, regalias ou outras coisas assim mundanas. Não. É mesmo por amor ao Estado.
E sabe-se que quem nos governa tem de ter uma coisa muito específica, que é o Sentido de Estado.
Pois bem, fui procurar a definição de Sentido de Estado, e... nada! Nem na Constituição, nem sequer na Wikipédia! Encontrei vários textos que falavam desse tal Sentido, mas definição nenhuma, zero, nadinha.
Fiquei com a sensação de que o Sentido de Estado é o que cada um queira, logo, um sentido com várias direcções... e isso explica tudo, até o inexplicável e o inexpugnável das nossas gestões da coisa pública. Ele há coisas...
Enfim, não resisto a partilhar a desdefinição que Juan José Añó Óliver publicou no El País no longínquo ano de 2014. Volto amanhã ao tema. Hoje sinto-me perdida com tantos sentidos. Ou isso ou estou inebriada com tanto amor...
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