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Mandatos na Assembleia da República

por Eduardo Louro, em 29.03.19

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A Assembleia da República é a sede do poder legislativo, e apropriadamente chamada “casa da democracia”.

Lá estão 230 deputados, os representantes do povo, eleitos democraticamente por círculos plurinominais para mandatos de 4 anos. Os círculos eleitorais correspondem aos distritos, por onde cada concorrente às eleições legislativas, partido ou coligação, apresenta a lista de candidatos que leva a votos. Recolhidos e contados votos na candidatura, recorre-se a um modelo matemático (no caso, o conhecido método de Hondt) para os converter em mandatos.

Atribuídos os mandatos, e transformados os candidatos em deputados, constituem-se os diferentes grupos parlamentares dos partidos ou coligações que concorreram às eleições e tiveram expressão eleitoral suficiente para transformar votos em mandatos.

Nesta matriz de funcionamento democrático do nosso poder legislativo tudo é questionável, evidentemente. Não basta votar em eleições livres para ter assegurada a escolha democrática daqueles que nos vão representar na sede do poder legislativo. É necessário assegurar a democraticidade do processo de representação.

Dentro da facilidade com que se resvala para o populismo, é frequente ouvir dizer que 230 deputados é uma enormidade, que metade seria suficiente, e o país pouparia aí suficientes recursos financeiros que sempre faltam em todo o lado. Pois, mas reduzir o número de deputados é diminuir a expressão política de muitas correntes de opinião, e é certamente varrer o pluralismo político de muitas regiões do país, com consequências que podem até pôr em causa a unidade nacional, provavelmente o maior activo do país.

Também a dialéctica entre círculos plurinominais e uninominais passa muito por aí. Muita gente vê nos círculos uninominais a salvação dos mecanismos democráticos da representação, e factor decisivo para revitalizar a nossa desacreditada democracia e voltar a aproximar os cidadãos da política. Se é certo que, em tese, os círculos uninominais favorecem a proximidade entre eleitor e eleito, e a maior responsabilização do leitor perante quem o elegeu, também é verdade que a maioria dos eleitores pode facilmente ficar por representar. E que, se aproxima uns, afasta outros.

Também o método escolhido para a conversão dos votos em mandatos é determinante nos mecanismos da representação, aqui a contas com o relevante princípio da proporcionalidade. O método de Hondt fere significativamente as melhores regras da proporcionalidade e privilegia claramente os mais votados, e não trata por igual todos os partidos.

O que, podendo ferir os mais puristas, não é necessariamente mau. E poderá mesmo ser visto como uma espécie de sistema imunitário do regime. Porque o ponto de intercepção da curva da representação democrática com a da eficácia da democracia, acontecerá sempre no nível mais alto da representação e no mais baixo da eficácia. 

 

PS: Esta foi a minha última participação como autor deste blogue. Agradeço aos leitores a atenção que me dispensaram, e aos colegas, e em particular à Sarin, a oportunidade de participar neste projecto.

 

Talhar o sistema eleitoral

por Eduardo Louro, em 19.02.19

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(Foto daqui)

 

Assumindo, e elevando-a à categoria de dogma, a grande expressão de Winston Churchill que “a democracia é o pior dos regimes à excepção de todos os outros”, e consensualizadas as liberdades (de reunião, de expressão, de opinião, civis e religiosas), o sistema eleitoral emerge como o grande referencial da legalidade democrática.

Garantidas as liberdades democráticas, o que, como se sabe não acontece em grande parte do mundo, é o sistema eleitoral, isto é, o conjunto de instrumentos de apuramento dos mecanismos de representação, que faz a diferença. Há grandes democracias no mundo que não deixam de o ser por não terem os mais abertos sistemas eleitorais. Os mais friendly, como agora se diria. Basta lembrarmo-nos do sistema eleitoral americano que, na bipolarizada eleição do seu presidente, tantas e tantas vezes elege o menos votado, como aconteceu com o actual.

Na democracia representativa os mecanismos de representação devem perseguir um grande objectivo, assente em dois pilares fundamentais: (i) cada homem, ou cada mulher, dispõe de um voto (ii) para eleger directamente aquele que o representa.

Se damos o primeiro pilar – um homem/mulher, um voto – por indiscutível, e se a sua negação é a negação da própria democracia, é no segundo – eleição directa e pessoal – que as coisas se podem complicar. Não é que não seja na maioria dos casos possível votar directamente nas pessoas que entendemos escolher para nos representar, é porque é inevitável que, entre o cidadão eleitor e o seu representante, se atravessem outros instrumentos básicos da instituição democrática: os partidos políticos que, de instrumentos, passaram a donos da democracia na generalidade dos regimes democráticos, tornando-os nos piores… Mas, ainda e sempre, à excepção de todos os outros.

Os partidos políticos talham os sistemas eleitorais à medida dos seus próprios interesses. Estão sempre mais interessados em ajustá-los aos seus objectivos de poder que ao aperfeiçoamento dos mecanismos de representação.

Acontece assim em todo o lado. Não é por acaso que na maioria das democracias do planeta os regimes são dominados por dois grandes partidos. A grande vantagem das mais sólidas e referenciadas é que, depois, dispõem de instituições (políticas e não só) complementares e de sociedades de grande actividade cívica e motivadas para a cidadania, que as agarram aos seus velhos alicerces.  

Claro que os sistemas eleitorais também servem estratégias não democráticas de poder. É que não há  nenhum ditador que não queira mostrar que não governa em ditadura. É como se não houvesse ditador que não gostasse da democracia. Gostam tanto que nem aceitam votações são abaixo dos 90%. E não custa nada: basta um sistema eleitoral talhado à medida



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