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O governo que elegemos

por Sarin, em 03.05.20

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O Poder Executivo em Portugal está centralizado no Governo. Mas a nível local é também exercido pelas Autarquias, especificamente o Executivo das Câmaras Municipais e o Executivo das Juntas de Freguesia.

É engraçada a forma como elegemos o pessoal que nos governa, quer a nível central quer a nível local.

Quero dizer, é engraçada a forma como elegemos os que elegemos!

O Governo central não é eleito. Votamos para a Assembleia da República, e normalmente - atenção a este normalmente! - o presidente do partido mais votado (ou da coligação) é convidado pelo Presidente da República a formar governo, depois de ouvidos os partidos com representação parlamentar - certamente para saber até que ponto tal personalidade terá a aceitação dos deputados e, portanto, nossa, já que os deputados são os nossos representantes eleitos.

O primeiro-ministro assim indigitado cria os ministérios que entende mais adequados ao seu programa de governo, escolhe quem quer para ministro e secretário de estado, e apresenta o resultado ao Presidente da República, lhes dá posse. Depois, vem a segunda parte, ser aprovado pela Assembleia da República. E é aqui que a coisa se pode complicar. Tecnicamente, a AR não aprova nem desaprova o Governo nem o seu programa de governo, mas pode rejeitá-los [e aceitá-los]. Ao votar a rejeição do Programa de Governo, a Assembleia da República demite formalmente o Governo recém-formado. Também o pode demitir após aprovação de uma Moção de Censura, ou da não aprovação de uma Moção de Confiança.

Recordam-se do normalmente ali de cima? Pois é. A indigitação do chefe do partido mais votado é a hipótese mais comum de dar início ao processo de constituição do Governo, mas o PR pode, pura e simplesmente, descobrir que tal cidadão não reúne consenso junto da AR, ou estar aquele envolvido em alguma situação que não dignifique ou que impeça qa ocupação de tal alto cargo, pelo que, mediante consulta ao Conselho de Estado e aos partidos, o PR pode perfeitamente decidir indigitar outro cidadão. Até pode optar por um que nada tenha a ver com os partidos representados. Claro que apenas o fará invocando razões muito fortes, afinal a decisão é do PR mas na verdade resulta da análise da posição dos partidos e da sociedade e não de uma arbitrariedade -o que não significa que não possa tentar forçar suavemente a aceitação de um nome.

E qual a nossa intervenção no processo de escolha da mais alta figura do executivo e da sua equipa?

Escolhemos directamente o cidadão que vai indigitar o Primeiro-Ministro e votamos nos partidos que colocarão na Assembleia da República os cidadãos que rejeitarão [ou aceitarão] o Programa de Governo, e que aprovarão (ou não) as Moções de Censura ou de Confiança. Pronto, é isto. Ficamos a saber quem nos governa depois das eleições para a Assembleia da República - é o que dá sermos uma democracia representativa.

No entanto...

O executivo camarário é votado directamente por nós, cidadãos! Sabemos exactamente qual o cidadão e qual a equipa que propõe para nos governar a coisa pública local. Embora possa não ser exactamente a equipa que vai funcionar, pois esta depende do número de vereadores eleitos pelo partido mais votado - e pelos outros. Aos vereadores eleitos o Presidente da Câmara atribui pelouros - pequenos ministérios à escala local. E haverá vereadores sem pelouro, que ficam assim a fazer parte do órgão colegial que é o executivo camarário mas não assumem qualquer função executiva directa. 

Para as freguesias, o sistema de formação do executivo volta a ser como o do governo central, com uma pequena diferença: a lei prevê que o Presidente da Junta seja o presidente da lista mais votada para a assembleia de freguesia. A equipa que o acompanhará, com um mínimo de dois vogais com funções de tesoureiro e secretário, é eleita pela Assembleia de Freguesia. Ou seja, voltamos a ter executivos escolhidos pelos nossos representantes, mas desta vez o chefe do executivo trabalha com a equipa que lhe escolherem.

São estas três formas distintas de tentar que as tendências existentes na sociedade estejam representadas nos órgãos executivos.

Mas serão a melhor forma de criar as equipas que nos deverão gerir a nós e à coisa pública?

 

Esta questão da escolha dos executivos pode ser abordada em vários holofotes. Como é matéria que me incomoda sobremaneira, não é de admirar que a aborde em todos os holofotes possíveis...

Os governos do poder provisório

por Eduardo Louro, em 25.04.20

 

Do Movimento das Forças Armadas que há 46 anos saiu à rua para depor o governo de Marcelo Caetano, pôr os Pides a fazer xi-xi pelas pernas abaixo, acabar com uma ditadura podre de velha e dar início a uma revolução, saíram os primeiros órgãos do poder executivo que se pretendia provisório. 

O poder executivo estruturado, esse haveria de sair de eleições livres, sempre negadas aos portugueses, como se a elas não tivessem direito. Ficou logo dito pelos capitães de Abril, para que não restassem dúvidas. 

Quando Marcelo Caetano, retido no Quartel do Carmo onde se refugiara sob a protecção da GNR, condicionou a sua rendição à simbólica passagem do poder ao General Spínola, introduziu o primeiro grão de areia na engrenagem pura e virgem de Salgueiro Maia.

Como não percebiam patavina do manuseamento daquelas armas do poder, os capitães de Abril sabiam que teriam de o entregar às mãos de gente que soubesse mais um bocadinho daquilo e que fosse levada mais a sério. Aquilo era coisa para generais e almirantes, não para capitães!

E o primeiro órgão de poder foi logo apresentado ao país no dia seguinte, a 26 de Abril de 1974. Chamou-se Junta de Salvação Nacional, e era composta por sete elementos: António de Spínola, Francisco da Costa Gomes, Jaime Silvério Marques, Diogo Neto, Galvão de Melo, Pinheiro de Azevedo e Rosa Coutinho, cinco generais e dois almirantes, representando os três ramos das forças armadas. Spínola, com a unção de Marcelo Caetano e, de todos, o de maior notariedade pública, assegurou a presidência da junta militar e, por inerência, logo de seguida, a Presidência da República.

O governo, provisório evidentemente, tomaria posse três semanas depois, a 16 de Maio, já a revolução ia fazendo caminho. Na altura era apenas o governo provisório, chefiado por Adelino da Palma Carlos, um prestigiado advogado que na ditadura se tinha salientado na defesa de activistas políticos perseguidos pelo regime. Quando lhe permitia alguma espécie de defesa, bem entendido. Pouco depois passaria a ficar para a História como I Governo Provisório, o primeiro de seis em dois anos, e incluía representantes dos principais partidos políticos, já no terreno. Lá estavam Mário Soares, Salgado Zenha e Raul Rego do PS, Sá Carneiro e Magalhães Mota, do novíssimo PPD, Álvaro Cunhal, do PCP e um mestre - o meu mestre - o saudoso Francisco Pereira de Moura, do  MDP/CDE, então tido por um dos principais partidos do emergente xadrez político, mas também por satélite do PCP. O ministro sem gravata!  

Duraria pouco. Menos de dois meses, porque as ideias iam fervilhando, a revolução caminhando e a conspiração crescendo. Seguiu-se o segundo, já com menos gente dos partidos, e sem Sá Carneiro, que não quis continuar, e chefiado por Vasco Gonçalves, um militar do MFA que viria a tornar-se figura central do PREC, o processo revolucionário em curso.  

Duraria pouco. Porque, pouco mais de dois meses, Spínola achou que era tempo de travar a revolução, e tempo de dar outro tempo, e rumo,  à descolonização. E precipitou o 28 de Setembro, a primeira estação do PREC. Perdeu, saiu de cena e foi susbstituído na Presidência da República por Costa Gomes.

Vasco Gonçalves é que estava de pedra e cal, e voltou a encabeçar o governo. O terceiro, que pouco variou do anterior. Durou 6 meses, o tempo que Spínola demorou a preparar nova conspiração, o 11 de Março.

Nesta segunda estação do PREC a revolução acelerou o passo. A Junta de Salvação Nacional foi extinta, e no seu lugar surgiu o Conselho da Revolução que, consagrado na Constituição do ano seguinte, teria longa vida. Mas nem por isso menos conturbada.

Vasco Gonçalves lá continuava, já no quarto governo. Que tinha agora dois representantes de cada um dos três principais partidos - PS, PPD e PCP. E o regresso do mestre, do meu mestre, Pereira de Moura.

A revolução acelerava a fundo em direcção ao Verão Quente, e o quarto governo não teve pernas  para acompanhar o passo. Caiu a 8 de Agosto de 1975, no apogeu do PREC naquele Verão escaldante, para dar lugar ao V governo provisório. 

Era o governo do sim ou sopas da revolução. Já sem qualquer representante dos partidos políticos, à excepção de Francisco Pereira de Moura, um eminente académico que não era exactamente um líder partidário, e nem sequer tinha o perfil do político convencional. 

Durou 41 dias, morreu a 19 de Setembro atropelado pelo documento dos nove, que reduzira a pó o documento guia da Aliança Povo-MFA, assinava a guia de marcha do PREC e enterrava o gonçalvismo.

À frente do VI surgiu Pinheiro de Azevedo, um dos dois almirantes na antiga Junta de Salvação Nacional. Os partidos voltariam em força. Especialmente o PS, que vencera as constituintes, com seis ministros. E o PPD, em segundo lugar nessas eleições, com três. O PCP ficara com um. Melo Antunes, o intelectual e pensador do MFA, era o ministro dos negócios estrangeiros. 

Foi o último governo provisório e Pinheiro de Azevedo passou por um pouco de tudo.  Esteve sitiado em S. Bento, com os deputados, no cerco dos operários da construção civil ao edifício onde então funcionava a Assembleia Constituinte. Passou naturalmente incólume pela derradeira estação do PREC, o 25 de Novembro, e acabou por abandonar o governo um mês mais cedo para se candidatar às presidenciais, poucos dias depois, sendo substituído por Almeida e Costa. Que levaria o VI governo até ao fim, passando a pasta ao I governo constitucional, em 23 de Julho de 1976.

Conhecido por um certo desbragamento, Pinheiro de Azevedo acabaria por nunca ser levado muito a sério. Nas presidenciais de 27 de Junho de 1976, concorrendo, entre outros, com Eanes e Otelo, não teve grande sucesso. Que também não conheceria na liderança do Partido da Democracia Cristã - um partido marginal ao sistema, que tivera grandes dificuldades em constituir-se, e onde a Igreja começara por apostar as fichas todas - a que se dedicaria um ano depois. 

A História dos seis governos provisórios saídos do 25 de Abril, que hoje comemoramos como podemos, não é a História de dois anos alucinantes da revolução dos cravos. Mas uma não se faz sem a outra!

E viva o 25 de Abril!

Uma história de governos

por Eduardo Louro, em 18.04.20

Expresso | Decreto-lei do Governo sobre PPP chumbado no Parlamento

 

Num regime semi-presidencialista, como o nosso, o poder executivo distribui-se pelo governo e pela presidência da república. Mas é o governo, com as suas emanações pelo aparelho de Estado fora, a sede central do poder executivo. Vigiado, evidentemente,  pelo Parlamento, que é quem lhe dá o sustento político, na dimensão parlamentar da outra metade do regime, eventualmente maior que a simples metade.

Os cidadãos votam em eleições legislativas que determinam a sua representação na constituição da Assembleia da República. Daí sai a fórmula de governo que chega ao Presidente da República, donde depois parte um convite, pessoal e intransmissível, para a formação do governo, já na cabeça, e não só, do convidado.

Às vezes as coisas não correm tanto assim, e às vezes não correm assim tão bem. Não têm sido poucas, estas vezes. Pode dizer-se que, sempre que das eleições não saem maiorias absolutas, o país cai nessas vezes. E sabe-se que essas maiorias não são assim tão frequentes... De um só partido são mesmo bem raras, aconteceram apenas por três vezes - duas consecutivamente, nos últimos anos da década de oitenta e nos primeiros da de noventa, e outra no início da segunda metade da primeria década deste século.

As coisas começaram a não correr bem logo no arranque do regime, em 1976. Nas primeiras eleições, um ano antes, não houve problema - eram constituintes. Não seria por falta de maioria que o gato iria às filhoses. Que se entendessem a fazer a Constituição, e a verdade é que se entenderam.

Depois, quando chegaram as legislativas e o tempo de governos constituicionais é que foram elas

O primeiro governo constitucional, saído da vitória do PS nas eleições de 1976, chefiado por Mário Soares, durou ano e meio. Em Janeiro de 1978 tomava posse o segundo, com o mesmo primeiro-ministro, mas então de braço dado com o CDS. Durou ainda menos, pouco mais de seis meses, esgotando-se aí a capacidade de entendimento do Parlamento, para dar lugar a uma sucessão de governos de inspiração presidencial (adorável, esta expressão). Foram três: o primeiro, chefiado por Nobre da Costa, um prestigiado engenheiro e executivo empresarial, nem chegou a ser aprovado pela Assembleia da República, e durou menos de três meses, no final do Verão de 1978. O Segundo, liderado por Carlos Mota Pinto, um dirigente do então PPD que andou dentro e fora, então fora, foi o de maior longevidade, e chegou aos sete meses. E o terceiro, de Lourdes Pintassilgo, também engenheira e também de fora do xadrez partidário, uma católica alinhada com o terceiro mundo (na altura discutia-se uma ideia estratégica para o país, a que chamavam vocação, entre a opção atlãntica, a europeia ou a mediterrânica, com o aprofundamento da ligação ao Norte de África e ao terceiro mundo em geral), durou cinco meses.

Porque entretanto, em Dezembro de 1979, Sá Carneiro concorreu às eleições com uma coligação - Aliança Democrática (AD) - muito abrangente que, para além do PPD e do CDS, de Freitas do Amaral e Amaro da Costa, incluía o PPM de Gonçalo Ribeiro Telles, o conceituado arquitecto paisagista dado por pai do movimento ecologista em Portugal, o único ainda vivo de todos os até agora nomeados, e os chamados Renovadores, um grupo de dissidentes do PS encabeçado por António Barreto e José Medeiros Ferreira, e alcançou a primeiria maioria parlamentar. E formou o VI governo constitucional, que não chegou a durar um ano. Desta vez não por falta de apoio parlamentar, mas pelos trágicos acontecimentos de Camarate.

Foi então chamado a formar governo o nº2 do PPD, que passara a nº1, Pinto Balsemão. Que não chegou a durar oito meses. Com o PPD consumido em guerras intestinas de disputa de poder, o demitido Balsemão não teve outro remédio que suceder a Balsemão no oitavo governo constitucional, para levar penosamente, e já numa das maiores crises económicas do país, até ao fim os últimos dois anos da legislatura. 

Em 25 de Abril de 1983 o PS voltaria a ganhar as legislativas, mas sem maioria. A situação do país empurrou o regime pela primeira vez - e única, até à data - para uma solução de bloco central, na coligação dos dois maiores partidos num governo chefiado, de novo e pela última vez, por Mário Soares. Durou dois anos, de profunda crise económica e social. Durou o tempo que ainda durou a crise, e o que o PSD demorou a resolver o seus problemas de liderança. As coisas nunca são assim tão distintas.

Chegado à liderança, no tal congresso da Figueira da Foz onde, segundo a lenda, se teria deslocado para fazer a rodagem ao seu novo Citroen BX, Cavaco Silva rasga os acordos do bloco central, manda o governo abaixo e provoca eleições antecipadas, marcadas para 6 de Outubro de 1985. Que ganha, mas sem maioria. Porque o novo PRD, de inspiração eanista, emergiu para o primeiro plano do xadrez político nacional. Voltou a durar pouco, este X governo constitucional, e primeiro de Cavaco Silva. Pouco mais de ano e meio, porque o PRD, já em desagregação e com os cálculos furados, apresentou e fez aprovar, no início do Verão de 1987, a moção de censura que o derrubou. A primeira, e única, até ao momento.

As eleições de 18 de Julho varreram o PRD do mapa político do país, abriram o ciclo das maiorias absolutas de um só partido, e as portas de um largo período que ficaria conhecido por cavaquismo, uma espécie de sub-regime dentro do regime.

Para trás ficavam onze anos. E dez governos. Para a frente ficariam outros tantos em 33 anos!

Quando, 10 anos depois de entrar para o governo, Cavaco Silva decidiu entregar a sucessão a Fernando Nogueira, o PS voltou a ganhar as eleições. Com 112 mandatos, muitos mas insuficientes para uma maioria parlamentar, António Guterres tornou-se no primeiro - e único, até agora - chefe de um governo sem maioria na Assembleia da República a completar uma legislatura.

E com sucesso. Nas eleições seguintes, na viragem do milénio, reforçaria a votação. Mas não ultrapassava os 115 mandatos, ficando exactamente com metade dos deputados no parlamento. O seu novo governo não tinha por onde cair, mas também não tinha muito a que se agarrar, quando o terreno que pisasse se tornasse movediço. E tornou. Tanto que Guterres lhe chamou pântano. Que abandonou quando, pouco mais de dois anos depois e com a tragédia de Entre-os-Rios pelo meio, na sequência de uma pesada derrota eleitoral nas autárquicas, apresentou a demissão. Como já tinha feito Mário Soares, e como viria Sócrates, anos depois, a ser obrigado a fazer.

Nas eleições que se seguiram, em Março de 2002, o PSD voltaria ao poder, depois de uma vitória muito apertada sobre o PS, então de Ferro Rodrigues, em tempos em que valia tudo à volta do escândalo Casa Pia. Agora de braço dado CDS, já de Paulo Portas, Durão Barroso foi indigitado para chefe do XV governo constitucional. Que durou pouco mais de dois anos. Durão Barroso não resistiu ao canto da sereia de Bruxelas e partiu, entregando as chaves do XVI governo a Santana Lopes. 

Não resistiu mais de seis meses às famosas trapalhadas. Jorge Sampaio usou pela primeira vez a bomba atómica do regime para pôr fim àquilo a que o país percebera que teria de pôr fim. E dissolveu a Assembleia da República, ainda os portugueses limpavam as lágrimas da final euro 2004. 

Das eleições seguintes, em Fevereiro de 2005, saiu a primeira maioria absoluta do PS. Provavelmente a última maioria absoluta de um só partido no regime. José Sócrates, esse, governou por quatro anos. Em 2009 já não repetiu a maioria, e foi o que se viu. Obrigado pelo ministro das finanças, Teixeira dos Santos, a demitir-se, depois de PEC´s para trás e para a frente. E a entregar o país, de rastos, à troika...

À troika e a Passos Coelho. Que, com Cavaco há muito em Belém, e de novo de braço dado com Paulo Portas, atingiria finalmente o velho sonho de Sá Carneiro: um presidente, uma maioria, um governo!

Um governo que, sentado numa maioria, voltaria a concluir a legislatura. Difícil e penosa, especialmente para a imensa maioria dos portugueses. 

Quatro anos depois essa maioria voltaria a eleições, em coligação pré-eleitoral, como em 1979. E toda agente sabe o que aconteceu: o Presidente da República convidou o líder da força política mais votada para formar governo, e Passos Coelho foi empossado como chefe do XX governo constitucional, que a Assembleia da República chumbaria. Foi a segunda vez que inviabilizou um governo.

E a primeira que impôs uma solução governativa a um Presidente da República. Que, manifestamente contrariado, acabou por aceitar António Costa como chefe do primeiro governo formado por uma força política que não tinha sido a mais votada nas eleições, apoiado numa maioria parlamentar de esquerda. 

O resto é história recente. E é o regresso, na legistura em curso, a um governo minoritário. Daqueles que em regra não conseguem concluir o mandato de quatro anos.

Numa história de tantos governos, cada um tem a sua. Como pertence!

 

PS: Mais de um ano depois o Rasurando está de volta. E estou de volta com ele!

 

 

 

 

O poder de fazer leis

por Eduardo Louro, em 27.03.19

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Lá porque se identifica o poder legislativo com a Assembleia da República, não quer dizer que o parlamento disponha do monopólio dos actos legislativos. Longe disso, produzem-se actos legislativos, fazem-se “leis”, em praticamente tudo o que seja órgão de soberania. Nunca antes tinha pensado nisso mas, se calhar, está aí a razão dos nossos excessos legislativos, que começam por sempre acharmos que tudo se resolve com uma lei.

Quem não ditar lei, não tem poder. Não é soberano. Ou não tem soberania para exercer.

Da Assembleia da República sai a Lei, que ocupa o topo da pirâmide hierárquica do edifício legislativo, que não é um edifício a sério para não ser uma construção tipo Louvre, que os franceses não autorizariam.

É por isso que nada nem ninguém está “acima da lei”. Claro, se ela está no topo, no sítio mais alto, nada pode ter em cima… O problema é que estamos fartos de saber que não é nada assim, e que não só há muitas “pessoas acima da lei”, como há ainda muitas com leis só para elas… Justamente para que nunca sejam foras-da-lei.

Se calhar não são leis. Bastam-lhe decretos-lei. Que são leis à mesma, a que temos que nos vergar exactamente da mesma maneira, mas produzidas no governo.

Quando dizemos que a Lei é produzida na Assembleia da República, e o Decreto-Lei no governo estamos, ou a simplificar um bocado, ou a esquecer a maior parte do aparelho de produção porque, na verdade, umas e outros são fabricados em um ou dois grandes gabinetes de advogados. Pelo menos é aí a secção de acabamento, onde lhe é dado o toque final que lhe há-de deixar aquele buraquinho … para mais tarde recordar. É daí que saem direitinhas para o Diário da República...

É assim - mal comparado, evidentemente - como mandar fazer a uns tipos um cofre para guardar e proteger uns bens e deixá-los ficar com as chaves do cofre.  

O Presidente da República também se mete nos decretos-lei. Não se sabe se também os manda fazer nas oficinas dos advogados, mas admite-se que não. É pouca coisa, pequenas quantidades, não dá para negócio.

Também as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, dos Açores e da Madeira, produzem Decretos. Não os decretos-lei, que esses são todos do governo, mas os Decretos Legislativos Regionais, que são bem capazes de também passar pela fase de acabamento nuns escritórios de advogados do Funchal ou de Ponta Delgada. Mas isso já são coisas mais difíceis de saber…

Dir-se-ia que os Tribunais constituem o único órgão de soberania sem capacidade legislativa. Faz sentido que, e esqueçamos que não conseguimos perceber essa intervenção dos advogados, quem aplica a Lei, não a faça. Mas essa é apenas mais uma ilusão do sistema. O sistema judiciário não se limita a aplicar a lei. Tem de a interpretar, e de deixar essa interpretação expressa nos acórdãos dos juízes, que passam a constituir jurisprudência. Não produzem Lei, mas fazem doutrina, com autêntica força de lei, como se de lei se trate.

 

O Orçamento-(eleitora)lista

por Sarin, em 09.02.19

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O Orçamento de Estado, diz a Não me dêem ouvidos e diz o Eduardo Louro, orienta, limita e obriga o Governo e as suas políticas, pois que tem de ser elaborado por este e aprovado na Assembleia.

Claro que não basta a um Orçamento ter as muitas e variadas rubricas em bonitas folhas de Excel; tem que ter algumas instruções sobre como se pretendem usar (afectar ou dotar, dizem eles) os dinheiros. Sim, dizer "que se afecta um determinado montante, ou que se dota uma determinada entidade, com um determinado valor" só por si é muito vago, apesar de todos os determinados que a frase tem; por isso, para que as ideias fiquem claras e depois não andem em guerras "ah, mas eu achava que..." é que o Governo tem de apresentar os Planos, conforme previsto na nossa Constituição. Planos que mais não são do que a resposta às velhas perguntas Como, Onde, Quando, Quem - o Quanto fica por conta do OE.

Se notarem que mal falo no Conselho Económico e Social é porque este CES está previsto ser consultado em quase tudo mas apenas ouvimos falar desta gente aquando de matéria laboral, pois que no que aos outros planos respeita aparentam entrar mudos e sair calados... e é pena.

 

Voltando aos Planos, estes são abrangentes e orientam toda a política económica do Governo em cada ano, e por isso têm um nome assim para o grandioso: Grandes Opções do Plano. Os deputados exigem saber, e muito bem!, todos os Porquês destas GOP, e depois de explicadas na Assembleia até podem propor alterações, mas nunca se podem chegar à frente com uma ou outra opçãozita... Enfim, o tal Plano é do Governo e, como disse uns postais antes, os nossos governantes nunca se descosem muito nas campanhas, até porque nem sabemos de quem se rodeará o Primeiro-Ministro; portanto, e em rigor, nunca ninguém pode acusar os governantes de não cumprirem o planeado - daí ser sempre o qualquer-PM a levar rodas de mentiroso, e aqui me penitencio desde já se nos próximos anos nascer algum que não.

Assim, o Orçamento do Estado mais não é do que uma imensa lista de despesas, receitas e investimentos apurados (tentem lá fazer isto num processador de texto!), determinados em função das GOP, as quais obedecem ao tal Plano - que se confunde quase sempre com o Programa de Governo. Isto porque em Portugal não há tradição de continuidade entre governos de cores distintas, pois era suposto o Plano ser, efectivamente, um Plano de Desenvolvimento do País, no qual o CES teria um papel fundamental como garante da continuidade; mas aquilo que se vai conseguindo nesta matéria resulta, afinal, dos tais pactos de regime.

 

Ora se o OE não passa afinal de uma lista de entradas e saídas esperadas de dinheiro, claro é que em ano de eleições a lista se torna eleitoralista - afinal, quem governa tem de tentar ser reeleito para poder continuar o seu Plano.

 

 



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Não falamos da actualidade, do acontecimento. Nem opinamos sobre uma notícia.

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