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A Presidência da República no feminino

por Eduardo Louro, em 22.03.19

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Tenho gosto e o privilégio de partilhar este espaço com duas colegas, e de com elas dividir opiniões sobre estes temas da nossa vida colectiva. Chegados, no alinhamento a que nos propusemos, à Presidência da República – expressão do género feminino – o candente tema da igualdade de género, e da igualdade de oportunidades, era quase incontornável.

Sendo incontornável, a curiosidade está na subtileza com que foi introduzido. A propósito da idade mínima para a candidatura a Presidente da República, a Sarin tendia a achar “que um puto a chefiar o país” não seria coisa séria ... se não houvesse putos como Malala Yousafzai e Greta Thunberg. Putos que não são exactamente miúdos, são miúdas!

Também a evocação da figura da "Primeira Dama" não escapa à subtileza da descriminação que o próprio papel subtilmente concentra.

É diferente a subtileza com que a Mami introduz o tema, ao transportá-lo para o Conselho de Estado. Porque o grito que deixa, esse é bem expressivo, não é para passar despercebido. E se fosse, não passaria…

Não sei se faltará muito ou pouco tempo para que, por cá, as coisas deixem de ser assim. Não sei se teremos um Presidente da Republica mulher nos próximos anos, mas sei que mais tarde ou mais cedo isso acontecerá inevitavelmente.

Como modesto contributo para a causa, e em homenagem às minhas ilustres colegas de rasura, decidi recuperar a História das candidaturas presidenciais no feminino. Uma História com pouco mais de 30 anos…

Apenas nas terceiras eleições presidenciais da nossa democracia, em 1986, surgiu a primeira candidatura feminina, de Maria de Lurdes Pintassilgo, que até já tinha ocupado as funções de primeira-ministra, em 1979, no último, e mais duradouro, dos três curtos governos de iniciativa presidencial, no primeiro mandato de Ramalho Eanes, continuando ainda a única mulher a chefiar um governo em Portugal.

Aconteceu nas mais disputadas eleições presidenciais de sempre, e foi uma candidatura que gerou forte mobilização popular. Apoiada pelo PRD, o tal partido de inspiração eanista, usufruiu do seu forte carisma pessoal, do do próprio Ramalho Eanes, e da expressão renovadora do novo partido, com assinalável apoio popular expresso, poucos meses antes, no notável resultado eleitoral das legislativas de Outubro de 1985. Viria ainda a contar com o apoio discreto do PCP, cujo (habitual) candidato (Ângelo Veloso) desistiria à boca das urnas.  

Não teve qualquer apoio das elites políticas, pelo contrário. Em tempo de adesão à então CEE, católica de esquerda, era tida por anti-europeísta e por privilegiar o alinhamento com os países em vias de desenvolvimento, do então chamado terceiro mundo.

Com 420 mil votos (7%) foi a menos votada dos quatro candidatos, mas não deixa de ser uma mulher que deixou marcas na sociedade portuguesa.

Não deixou foi sementes para que novas candidaturas femininas pudessem germinar. Foi preciso esperar 20 anos para se voltar a falar de mulheres candidatas a Presidente da República, mesmo que sem qualquer espécie de sucesso. Em 2006, Carmelinda Pereira, uma histórica política nacional que, depois de expulsa do Partido Socialista em 1977, onde fora deputada constituinte e legislativa, fez carreira com o marido, Aires Rodrigues - outro histórico - num pequeno partido político radical, marginal ao regime, mas sempre a aparecer teimosamente em cada cenário eleitoral, não conseguiu as famigeradas 7.500 assinaturas que lhe viabilizassem a candidatura.

Pelo mesmo caminho ficou Maria Teresa Lameiro, uma funcionária pública que, se não era conhecida, desconhecida ficou. Nem o Dr Google sabe nada dela!

Dez anos depois, nas últimas eleições, voltaram a surgir duas candidatas, que desta vez chegaram mesmo aos boletins de voto. Maria de Belém surgiu como a reedição das já habituais clivagens no Partido Socialista em disputas presidenciais, ao protagonizar uma candidatura pouco (ou nada) afirmativa, apenas para marcar uma reacção de certos sectores do partido à aposta em Sampaio da Nóvoa. O resultado, que não chegou sequer aos 200 mil votos (4%) foi um desastre maior que o anunciado.

Marisa Matias, a deputada europeia do Bloco de Esquerda, foi a outra mulher a candidatar-se nestas últimas eleições, naturalmente com o apoio do seu partido. E apenas a terceira nesta História!

A terceira na História destas eleições, com perto de meio milhão de votos (10%), e a terceira da História das candidatas presidenciais. Onde figura como a mulher mais votada de sempre!

O caminho para Belém

por Eduardo Louro, em 09.03.19

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Sediada no Palácio de Belém, o nosso palácio cor de rosa, a presidência da República é um órgão unipessoal, a que se acede através de eleição directa e universal. 

Qualquer cidadão português com mais de 35 anos, no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, se pode candidatar a essa eleição. Precisa no entanto que a candidatura seja proposta por um mínimo de 7.500 cidadãos eleitores, isto é, terá que apresentar um mínimo de 7.500 assinaturas (e um máximo de 15 mil).

Estas são as condições de partida, iguais para todos, sem qualquer descriminação, mesmo que nem todos disponham das mesas condições, desde logo para garantir as assinaturas necessárias. O que para uns não passa de um simples formalismo é, para outros, uma enorme dor de cabeça. E muitas vezes logo um obstáculo intransponível!

A partir daqui, formalizada a candidatura, começam as verdadeiras dificuldades. Começa logo pelas barreiras mediáticas. Quem não tiver livre trânsito mediático fica á porta. Não sai dali. Depois, por ser preciso dinheiro. Muito dinheiro, que a campanha não é barata. E a subvenção pública é curta, não atinge os 3,5 milhões de euros, distribuídos proporcionalmente aos resultados obtidos, e só chega a quem tiver obtido mais de 5% dos votos.

Deixemo-nos portanto de romantismos e ilusões. Qualquer um pode sonhar ser presidente da República, mas para isso tem que de ter pouco de tino. Em Rãs, ou noutra qualquer freguesia do país… Para dar início ao sonho tem que começar por garantir apoios partidários, implícitos ou explícitos, dos grandes partidos do sistema. Não é possível, nunca ninguém o conseguiu, chegar à presidência da República sem os grandes partidos por trás. As máquinas partidárias são decisivas nos resultados das eleições presidenciais. Pelos votos que têm cativos, agarrados ao aparelho partidário, pela logística de campanha e pelos recursos financeiros que mobilizam.

Por isso qualquer candidato procura, primeiro que tudo, posicionar-se perante o partido dominante na família política a que pertence para, depois, ter por garantida a sua escolha, ou o seu apoio. Nalgumas circunstâncias, a estratégia política do candidato é tal que deixa o partido, e às vezes os partidos, sem outro espaço que não o de seguir atrás. Esta é evidentemente a fórmula mágica do sucesso, que todos procuram, mas poucos encontram. É quando ouvimos o candidato dizer que está ali por si e pelos seus méritos, e que não recusa apoios, mas também os não pede. Pois… não os pede porque os tem certos!

Também neste domínio particular das relações partidárias dos candidatos as campanhas para as eleições presidenciais têm atingido momentos de grande dramatismo, com algumas lutas fratricidas a deixarem marcas na política portuguesa. Se em 1976 todos os grandes partidos, à excepção do PCP, se juntaram à volta de Eanes, logo na reeleição, em 1980, tudo se desfez. Com os partidos da direita a proporem Soares Carneiro, e o PS a romper com Mário Soares por causa do apoio a Eanes. As seguintes, em 1986, voltariam a fazer sangue no PS na guerra fratricida que opôs Mário Soares a Salgado Zenha, que o primeiro ganhou por 250 mil votos, resultado que o colocou na única segunda volta de todas as presenciais, que viria a ganhar.

Na reeleição de Soares, em 1991, o PSD, de Cavaco Silva, para não perder onde nada podia ganhar, deu-lhe o apoio tácito. E mesmo que bem expresso, não levantou grandes problemas internos. Os tempos não estavam para essas coisas. Nas seguintes, em 1996, Jorge Sampaio soube dar o passo em frente no momento certo, e congregou o seu partido. E facilmente toda a esquerda, porque do outro lado estava Cavaco Silva. Mas logo que terminou o consulado de Jorge Sampaio, em 2006 voltou o sangue ao PS. Com Mário Soares - mais uma vez! – a digladiar-se com outro histórico, Manuel Alegre. Com o partido apoiar Mário Soares, aos 80 anos, na primeira tentativa de regresso a Belém… Nas últimas eleições, em 2016, que inevitavelmente premiaram a mais bem construída estratégia eleitoral da História das presidenciais, o PS voltou, não ao sangue, que não deu para isso, mas a uns arranhõezitos.  

Mais, ou menos rasgados, com as feridas mais ou menos lambidas, com mais ou menos sapos para engolir, os partidos políticos continuam a ser a passadeira decisiva para entrar em Belém.

O Presidente e o regime

por Eduardo Louro, em 05.03.19

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O “Chefe de Estado”, a crer na designação, deveria ser quem manda. O “chefe”, o mais alto poder da nação, seja o rei, em monarquia, ou o Presidente, em República.

Já não é bem assim. Há mesmo Chefes de Estado, reis ou presidentes, que mandam muito pouco, estando limitados a um papel meramente decorativo. Assim acontece nos regimes parlamentares, onde o poder se realiza no Parlamento e/ou noutras câmaras de representantes. O Presidente – e afastemos a monarquia desta discussão, em democracia as monarquias não passam de símbolos – é verdadeiramente quem manda, quem tem o poder a sério, nos regimes presidencialistas. 

Entre os dois regimes, parlamentar e presidencialista, há um largo espaço onde cabem diversos modelos chamados semipresidencialistas, sistemas híbridos de partilha do poder executivo. O mais presidencialista dos regimes de referência semipresidencialista é certamente o francês. É mesmo tão presidencialista que há muita dificuldade em perceber por que lhe chamam semipresidencialista. E o português dos menos presidencialistas dos regimes semipresidencialistas.

A legitimidade política do Chefe de Estado varia também com o poder que lhe está atribuído, e são por isso muitos os regimes que não elegem o Presidente por voto directo, são simplesmente votados no Parlamento, de que sempre dependem. A eleição do Presidente da República por sufrágio directo e universal, independentemente dos poderes que lhe estejam atribuídos, traz-lhe sempre um reforço de legitimidade que inevitavelmente lhe reforça, se não os próprios poderes, o âmbito do seu exercício.  

É claramente o caso do regime português, que torna o Presidente uma figura central do regime. Independentemente dos poderes presidenciais, que nos primeiros anos da democracia foram sendo reduzidos em sucessivas revisões da Constituição, o Presidente da República Portuguesa tem um peso decisivo na condução dos destinos do país.

O Presidente da República é eleito para mandatos de cinco anos, renováveis por uma única vez. O que a prática política nacional, e em particular a prática política dos presidentes eleitos, transforma praticamente em mandatos de 10 anos, e em autênticos ciclos políticos.

O prestígio da função presidencial, e a ambição dos principais agentes da política nacional, transformas as eleições presidenciais em marcos históricos da política em Portugal. Os mais disputados, os mais espectaculares e até os mais dramatizados processos eleitorais da nossa democracia, têm acontecido em eleições presidenciais. Foi assim logo nas primeiras, em 1976, com Ramalho Eanes. Um militar, como dificilmente poderia ter deixado de ser, levado à ribalta da política por razões fortemente circunstanciais. Um presidente eleito pela direita, mas reeleito pela esquerda, no fim de 1980, nas mais dramáticas de todas as eleições disputadas em Portugal.

E voltou a ser assim em 1986, nas mais disputadas de todas, quando Mário Soares abriu o seu ciclo, que foi também o da integração europeia, derrotando Freitas do Amaral. Como não seria muito menos que assim 10 anos depois, quando Jorge Sampaio, depois de uma sábia jogada de antecipação, criou as circunstâncias para vencer Cavaco Silva, que vinha também ele de 10 anos à frente do governo. Tantos quanto teve de esperar para voltar a jogo, e abrir, pela primeira vez, as portas ao velho sonho da direita portuguesa, enunciado por Sá Carneiro pouco antes da sua morte: “uma maioria, um governo, um presidente”.

A História mostra-nos que, se a primeira eleição é dramaticamente disputada, a reeleição é sempre um passeio, e a simples consequência de um primeiro mandato exercido para alargar a base eleitoral e garantir a reeleição. E que só no segundo, já sem nada a perder, os presidentes mostram realmente quem são. E muitas vezes ao que vêm!

conan e a europa

imagem retirada daqui

 

parece que conan osiris vai representar portugal no eurofestiva da canção. ganhou com os votos do júri e do povo. assim sendo, está mais do que legitimado para representar portugal.


as eleições europeias são aquelas que maior abstenção registam em portugal - taxas de abstenção acima de 60% desde 1994, ou seja, desde sempre.


são os partidos que escolhem os seus representantes para o parlamento europeu, e os eleitores e as eleitoras nacionais, através do voto – gratuito, nada de valores acrescentados -, validam ou não essas escolhas. se é, aparentemente, assim tão simples, porque há uma abstenção tão significativa?


será que aos portugueses e às portuguesas não lhes interessa a europa à qual pertencem e que em consciência, tanto dinheirinho (muito, mal gasto) colocou nas mãos dos portugueses?


será que aos portugueses e às portuguesas não lhes interessa o perfil e competências dos/das representantes no parlamento europeu que têm o dever e o poder de lutar pelos nossos direitos (muitos deles económicos e comerciais, mas também sociais) dentro no puzzle europeu?


já pensaram que é mais complexo representantes de um pequeno país, com menor poder económico, fazerem-se ouvir, negociar e exigir, de modo isento, o que é melhor para o seu povo? não será por isto, mais exigente a escolha do perfil certo (ao nível das competências e das ideias em que acredita/defende) para nos representar?
portugal faz tudo para parecer bem na fotografia, cumpre com tudo muito bonitinho, para agradar aos patrões da europa. mas será esse o caminho?


quiçá os portugueses e as portuguesas precisam de um conan da política, que rompa com os esquemas estabelecidos, com a ideia de que são todos iguais e com a vontade de nos destacarmos na europa pela coragem da diferença e não pela compostura do fato.


para os políticos portugueses a europa é muito apetecível. já foram muitos os que deixaram o seu “trabalho” na representação do povo em casa, para tentar a sua sorte na europa. somos um país de conquistadores, sobretudo do ego que o nosso umbigo exige, porque “lá fora é sempre melhor que cá dentro”.


se a europa é assim tão apetecível, vamos fazer com que quem ganhe esse destaque seja mesmo quem se destaca por ir ao encontro daquilo em que acreditamos que seja o melhor para o nosso país…informem-se e marque presença no dia 26 de maio, mesmo que o conan (o osiris ou o guerreiro) já não vá a tempo de se candidatar.

Xadrez partidário

por Eduardo Louro, em 26.02.19

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Os regimes (democráticos) tendem para a bipolarização partidária. É assim há muito tempo nas mais velhas e consolidadas democracias do mundo, com a divisão do poder por dois partidos alternantes.

Na Europa, no entanto, isso começou a ser posto em causa nos últimos anos. A excepção da velha Albion, a mais velha e ritualizada democracia europeia, serve apenas de confirmação da regra. No norte e no centro da Europa, passada que foi a hegemonia dos partidos da social-democracia dos anos 60 e 70 do século anterior, o espectro partidário foi-se alargando com a chegada de partidos focados em preocupações sectoriais, a começar nas questões ambientais, mas a passarem também, depois, por questões que se prendem com minorias, ou até com regiões. E a governação passou a depender de coligações entre, não raras vezes, vários partidos.

Na Europa do sul começou por se assistir à dinamitação do pulverizado xadrez partidário italiano com a implosão, em meados da década de 90, dos dois grandes partidos da clássica ingovernabilidade italiana, minados pela corrupção. Na verdade nunca o Partido Socialista e o da Democracia Cristã, os dois grandes partidos do sistema, já desaparecidos, conseguiram encontrar dimensão suficiente para garantir soluções governativas estáveis.

O não menos pulverizado xadrez partidário francês acabou por sucumbir recentemente, com o completo afastamento do poder dos protagonistas da velha ordem partidária - socialistas e republicanos.

Só na Península Ibérica, Portugal e Espanha, mais novatos nestas andanças da democracia, pareciam resistir ao desmoronamento dos velhos edifícios partidários e manter a alternância de poder entre os dois grandes partidos do centro do xadrez político. Já se percebeu que também em Espanha esse tempo está a chegar ao fim, e não tem a só a ver com os nacionalismos que, por cá, felizmente, não temos. Tem mesmo a ver com o surgimento de novos partidos que rapidamente encontraram chão fértil para crescer.

E aí está, Portugal como modelo único de preservação do seu xadrez partidário, insensível – para o bem e para o mal – ao que vai mudando no resto da Europa. Para o bem, porque parece que continua vacinado contra o populismo e a extrema-direita, afinal quem mais tem medrado com todas estas mudanças. Para o mal, porque fica-nos muitas vezes a sensação de uma democracia capturada pelos partidos que construíram o regime à imagem dos seus interesses.  

Poderão dizer-me que está é uma conclusão precipitada. Ou mesmo injusta. Pode até ser, mas temos visto muito boa gente, que parece cheia de boas ideias, tentar e não conseguir entrar. Em mais de quatro décadas tivemos uma única experiência de sucesso … mas efémero. E não sei se desencorajante, a funcionar como a punição pública de um atrevimento… E mesmo esse acabou por nascer de dentro do poder!

Rituais do regime (eleitoral)

por Eduardo Louro, em 23.02.19

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No pior dos regimes à excepção de todos os outros – desculpem-me a insistência, acredito que já canse, mas não sou capaz de o criticar, e não consigo deixar de o fazer, sem dizer isto – as eleições funcionam como uma espécie de catarse (nem sempre são purificadoras, é certo, mas libertam sempre muita coisa…) cheia de rituais.

O ritual começa com a pré-campanha que, como o nome indica, é o período que antecede o de campanha eleitoral, definido por lei. O que não vale de muito, porque ninguém percebe muito bem quando acaba um e começa o outro, tão igual é (quase) tudo. Para quem não tinha ainda percebido para que servem, nos dias de hoje, os “tempos de antena” aí está a explicação: é para que as pessoas saibam quando começa o período legal de campanha eleitoral.

A pré-campanha começa praticamente com o anúncio da data das eleições, mas há até quem defenda que começa mesmo no dia a seguir às anteriores. Eu não iria tão longe, e ficar-me-ia pela data da tomada de posse relativa às últimas eleições. A partir desse dia, invariavelmente, a oposição entra em pré-campanha eleitoral.

Depois, um pouco mais tarde, chegam as forças do poder. Dois anos antes das eleições já não pensam em mais nada, e o último orçamento, um ano antes, é já um manifesto eleitoral.

À medida que o tempo voa apressadamente para os últimos três meses, o ritual aperta. E lá vêm as arruadas, os comícios, o lombo de porco no prato de plástico (pois é, isso vai ter de mudar), a cerveja – muita cerveja – e agora, pelo menos aqui pela província, o porco no espeto. Depois vêm os interessantíssimos tempos de antena e sabemos que, até à apoteose final, naquela noite de sexta-feira, nos mais nobres espaços das maiores cidades do país, é campanha eleitoral a sério. Autocarros num corrupio, de uma ponta a outra do país, cheios de gente que não sabe ao que anda, mas lá vai … que a vida é dura. E no fim do dia há um prato de plástico com lombo de porco, e 10 ou 20 euros para meter na carteira.

E chegamos ao sábado. Dia de reflexão, um must do ritual. À meia-noite de sexta-feira acabaram-se as promessas, fecharam-se as luzes, apagaram-se as brasas, e secaram-se os barris de cerveja… Não há jornais, a televisão entretém-se com as minudências do costume, e ninguém fala de política. É só para reflectir… Um desperdício, quando nada ficou que merecesse reflexão. Reflexão mereceria que fosse aproveitado para obrigar toda a gente a recolher o material que deixou a poluir-nos o ambiente e as ideias, e que por lá se vai manter por longos meses.

E finalmente amanhece domingo, o grande dia. Se está sol – nunca há eleições no inverno - o pessoal vai para a praia. Uns poucos, que resistiram ao demónio e à desmotivação da campanha, e não resistem ao seu sentido do dever, e outros, que as carrinhas do cacique vão buscar a casa, lá vão pôr a cruzinha. Ou não, deixando o boletim em branco. Ou nulo, todo riscado, se a raiva for muita.

Ao fim da tarde – outra descoberta: é por isso que não há eleições no Inverno – fecham-se as urnas e começam a contar-se os votos. Mas já não interessa: às oito em ponto (há que esperar pelos Açores, que andam uma hora atrás do continente, e da Madeira) já as televisões abrem "o especial eleições" com os resultados. A partir daí, começamos por ficar a saber que todos ganharam e, depois, o que os portugueses disseram com o voto.

E nós a percebermos que, se calhar, perdemos todos … E que não dissemos coisa nenhuma. Que apenas cada um entregou o seu voto, por convicção, por sentido de utilidade ou por qualquer outra motivação... E que esse foi simplesmente somado a outros.

O que nem sequer acontece em tantas partes do mundo…

Orçamento (mol)Estado

por Eduardo Louro, em 12.02.19

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A centralidade que, em Portugal, o Orçamento de Estado ocupa no regime traz-lhe particularidades interessantes. Uma delas, e provavelmente a mais interessante, é a sua relação com as maiorias de que depende a sua aprovação.

Já vimos que precisa sempre de uma maioria. Se ela não resulta óbvia e consistente do processo eleitoral, isto é, se das eleições não resultou uma maioria absoluta de um partido ou de uma coligação, é sempre difícil construir depois uma maioria estável que o suporte. Aqui e ali constroem-se pontes para a garantir, mas são sempre equilíbrios muito instáveis. De uma vez até se tentou fazê-lo em cima do queijo limiano, que é redondo como uma bola...

No regime português não é muito fácil encontrar maiorias absolutas de um só partido, daquelas que, dê para onde der, aguentam a legislatura e todos os orçamentos que ela tiver para dar. Só por três vezes isso aconteceu nestes quarenta e tal anos de democracia. E, para além dessas circunstâncias, apenas por outras tantas vezes se construíram coligações para lá chegar. A primeira, há quarenta anos, em coligação eleitoral, e as duas restantes, já neste século, em arranjos pós-eleitorais.

A verdade é que é completamente diferente preparar um Orçamento com uma maioria absoluta instalada, e a aprovação garantida, ou prepará-lo desesperadamente à procura de pontas para segurar uma maioria circunstancial para o aprovar. Se outras razões não houvesse, bastava esta: enquanto um governo sentado em cima de uma maioria absoluta põe e tira números a seu bel-prazer, cada número que o ministro das finanças de um governo minoritário lá puser trás agarrado horas e horas de negociações.

Poderá nem ser isto que lhe dê maior consistência, mas é isto, sem qualquer dúvida, que faz com que o cumprimento de um orçamento surja como coisa absolutamente obrigatória no horizonte de um governo minoritário, e outra, de todo negligenciável, no ângulo de visão de um governo de maioria absoluta. Sabe que tem sempre à mão os Orçamentos rectificativos que quiser, que lhe não custam nada a impingir. Pois... para um governo minoritário, apresentar orçamentos rectificativos… não é boa ideia.

Quer isto dizer que para cumprir os orçamentos o melhor é nunca haver maiorias absolutas? Ou, esticando mais um bocadinho, que as maiorias absolutas são até indesejáveis para os bons ares na democracia portuguesa?  

Não! Podemos responder o que quisermos, mas a resposta nunca poderá ser dada pela luz do Orçamento. É que... ninguém o cumpre. Não o cumprem os governos de maioria, que apresentam rectificativos, como se estivessem em navegação à vista. Nem o cumprem os governos minoritários, porque fazem cativações… à vista da navegação. Cada número pode ter sido muito bem negociado, certamente até consensualizado e olhado dos mais variados prismas mas, depois, na execução, só é libertado quando, e se, houver folga… 

No final de contas, há sempre forma de molestar o Orçamento. Faltando-lhe simplesmente ao respeito, ou lixando-o mesmo todo.

O Orçamento-(eleitora)lista

por Sarin, em 09.02.19

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O Orçamento de Estado, diz a Não me dêem ouvidos e diz o Eduardo Louro, orienta, limita e obriga o Governo e as suas políticas, pois que tem de ser elaborado por este e aprovado na Assembleia.

Claro que não basta a um Orçamento ter as muitas e variadas rubricas em bonitas folhas de Excel; tem que ter algumas instruções sobre como se pretendem usar (afectar ou dotar, dizem eles) os dinheiros. Sim, dizer "que se afecta um determinado montante, ou que se dota uma determinada entidade, com um determinado valor" só por si é muito vago, apesar de todos os determinados que a frase tem; por isso, para que as ideias fiquem claras e depois não andem em guerras "ah, mas eu achava que..." é que o Governo tem de apresentar os Planos, conforme previsto na nossa Constituição. Planos que mais não são do que a resposta às velhas perguntas Como, Onde, Quando, Quem - o Quanto fica por conta do OE.

Se notarem que mal falo no Conselho Económico e Social é porque este CES está previsto ser consultado em quase tudo mas apenas ouvimos falar desta gente aquando de matéria laboral, pois que no que aos outros planos respeita aparentam entrar mudos e sair calados... e é pena.

 

Voltando aos Planos, estes são abrangentes e orientam toda a política económica do Governo em cada ano, e por isso têm um nome assim para o grandioso: Grandes Opções do Plano. Os deputados exigem saber, e muito bem!, todos os Porquês destas GOP, e depois de explicadas na Assembleia até podem propor alterações, mas nunca se podem chegar à frente com uma ou outra opçãozita... Enfim, o tal Plano é do Governo e, como disse uns postais antes, os nossos governantes nunca se descosem muito nas campanhas, até porque nem sabemos de quem se rodeará o Primeiro-Ministro; portanto, e em rigor, nunca ninguém pode acusar os governantes de não cumprirem o planeado - daí ser sempre o qualquer-PM a levar rodas de mentiroso, e aqui me penitencio desde já se nos próximos anos nascer algum que não.

Assim, o Orçamento do Estado mais não é do que uma imensa lista de despesas, receitas e investimentos apurados (tentem lá fazer isto num processador de texto!), determinados em função das GOP, as quais obedecem ao tal Plano - que se confunde quase sempre com o Programa de Governo. Isto porque em Portugal não há tradição de continuidade entre governos de cores distintas, pois era suposto o Plano ser, efectivamente, um Plano de Desenvolvimento do País, no qual o CES teria um papel fundamental como garante da continuidade; mas aquilo que se vai conseguindo nesta matéria resulta, afinal, dos tais pactos de regime.

 

Ora se o OE não passa afinal de uma lista de entradas e saídas esperadas de dinheiro, claro é que em ano de eleições a lista se torna eleitoralista - afinal, quem governa tem de tentar ser reeleito para poder continuar o seu Plano.

 

 

Orçamento (t)Estado

por Eduardo Louro, em 08.02.19

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Diria que o Orçamento Geral do Estado, mais que peça central da governação, é o pilar político-administrativo do regime.

O Orçamento não é apenas o guião da governação, um instrumento de planeamento ou a bengala política do governo. Não é apenas isso, é tudo isso. E ainda mais que isso: é a peça central da estrutura do regime. É o fiel da balança no exercício do poder democrático ou, pelo menos, nos seus mínimos da alternância democrática.

Todo ele está envolto em formalidades e prazos rígidos. Tem que ser apresentado na Assembleia da República, em forma de proposta (creio que não, necessariamente, em suporte de pen), até Outubro. Até ao primeiro dia deste mês, na lei actualmente em vigor. Dois dias depois a proposta é colocada a votação, na generalidade e, logo aí, activa o ponteiro da balança do regime. À falta de aprovação, a coisa não se faz por menos: o governo cai, com ele cai tudo à volta, e marcam-se eleições. É a bomba atómica do Parlamento, como a moção de censura. E como a outra que o Presidente guarda religiosamente em Belém.

Se tudo correr bem, quer dizer, se a maioria que suporta o governo, ou a que conjunturalmente se arrumou para o aguentar, com mais ou menos sapos engolidos, se mantiver operacional, segue-se um longo debate na especialidade, onde muitas vezes a proposta inicial é toda voltada do avesso. É sempre coisa para mais de um mês. No fim, vota-se – então sim, já o Orçamento – na especialidade, com o mês de Dezembro à porta. A tempo de ir a promulgação ao Presidente da República, e de ser publicado para entrar em vigor no primeiro dia do ano.

Porque o ano não se pode iniciar sem Orçamento. Não deve… Poder, pode, mas não há ninguém que goste muito disso. Os credores, então… Nem querem ouvir falar disso. Mas pode, o governo fica obrigado aos números do Orçamento anterior, distribuídos por duodécimos. Fica a governar por duodécimos, como muita gente gosta de dizer.

Não é drama nenhum. Mas é, de todo, de evitar. Por isso não se percebe por que é que as eleições legislativas são, de há muitos anos, marcadas para o mês de Outubro. Percebe-se que Outubro seja um bom mês. É depois das férias, e as pessoas ainda andam bem-dispostas… O clima ainda ajuda, faz bom tempo, mas as pessoas já não precisam de aproveitar todos os minutos para fugir para a praia. Mas não ajuda nada o Orçamento!

Ainda todos nos lembramos da última vez. As eleições deram no que deram, quem pensou que tinha ganho, afinal não ganhou, o tira teimas não foi fácil – se não é fácil convencer quem nunca tem dúvidas, nem quem nunca se engana, imagine-se o que seja convencer quem raramente tenha dúvidas e nunca se engane – e o governo acabou por tomar posse já no fim (dia 26) de Novembro. Quando os deputados aprovaram o programa de governo já deveriam estar a aprovar o Orçamento. Mesmo assim, podia ser bem pior, e o Orçamento para 2016 acabou por ser publicado a 5 de Fevereiro (não deve ter sido nada fácil!), com apenas um mês em regime de duodécimos.

Sendo o Orçamento o que é, tendo a centralidade que tem na vida do país, em particular na relevância que assume nas relações externas do país, e nas relações com as instituições europeias, não faz qualquer espécie de sentido manter as eleições legislativas em Outubro. Parece brincar com o fogo!

 



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Não falamos da actualidade, do acontecimento. Nem opinamos sobre uma notícia.

Falamos de política num estado mais puro. Sem os seus actores principais, os políticos - o que torna o ar mais respirável. E os postais sempre actuais; por isso, com as discussões em aberto.

A discussão continua também nos postais anteriores, onde comentamos sem constrangimentos de tempo ou de ideias.





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