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Fiscalização do poder executivo

por Eduardo Louro, em 16.05.20

A separação de poderes - JN Tag

(Imagem daqui)

 

A fiscalização do poder executivo é um dos pilares fundamentias da democracia, juntamente com a separação de poderes e o sufrágio directo e universal dos cidadãos em eleições livres.

No regime democrático português, semi-presidencialista mas, como já vimos, mais parlamentar que presidencialista, com o poder executivo fortemente concentrado no governo, a fiscalização da acção governativa reparte-se formal e fundamentalmente pela Assembleia da República, pelo Presidente da República, pelo Tribunal Constitucional, e pelo Tribunal de Contas.

O Parlamento, a Assembleia da República, órgão do poder legislativo, é também o órgão de fiscalização do governo por excelência. É ao Parlamento que o governo presta contas, e é o Parlamento que lhas exige. Talvez por isso se chame Assembleia da República, e não simplesmente Assembleia Legislativa.

São muitas as decisões do governo que dependem da aprovação parlamentar, dependência que emana justamente do poder de fiscalização da Assembleia da República. Mas não se esgotam aí as suas competências de fiscalização, prolongam-se pelos trabalhos das comissões parlamentares das diferentes áreas, e pela capacidade de chamar, a essas comissões ou ao plenário, os membros do governo sempre que entenda que há actos da governação a eslarecer.

O Presidente da República tem também competências de fiscalização do governo, que se revelam, sem que se esgotem, na promulgação dos seus actos legislativos. Não se esgotam nesse acto de ratificação, espalham-se por tudo aquilo que cabe no que se convencionou chamar a magistratura de influência do Presidente. Ao "chamar a Belém" o chefe do governo, ou quaisquer ministros do elenco governativo, o Presidente não só influencia ou previne a acção governativa, mas também a fiscaliza.

Também o poder judicial dispõe de órgãos de fiscalização do poder executivo: o Tribunal Constitucional, que fiscaliza os actos do governo, mas também os do poder legislativo, no que respeita ao cumprimento dos preceitos da Constituição; e o Tribunal de Contas, que fiscaliza os actos do governo à luz dos princípios da transparência e do rigor da gestão da coisa pública.

Mas, numa democracia adulta, sólida e saudável, a opinião pública e a cidadania são - devem ser! - os mais importantes agentes de fiscalização do poder executivo. E nessa democracia, adulta, sólida e saudável, não há opinião pública nem cidadania sem uma comunicação social independente, forte e competente.  

Também aqui a nossa democracia já viveu melhores dias. Estará mesmo a viver os piores dos seus piores dias!

Mandatos na Assembleia da República

por Eduardo Louro, em 29.03.19

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A Assembleia da República é a sede do poder legislativo, e apropriadamente chamada “casa da democracia”.

Lá estão 230 deputados, os representantes do povo, eleitos democraticamente por círculos plurinominais para mandatos de 4 anos. Os círculos eleitorais correspondem aos distritos, por onde cada concorrente às eleições legislativas, partido ou coligação, apresenta a lista de candidatos que leva a votos. Recolhidos e contados votos na candidatura, recorre-se a um modelo matemático (no caso, o conhecido método de Hondt) para os converter em mandatos.

Atribuídos os mandatos, e transformados os candidatos em deputados, constituem-se os diferentes grupos parlamentares dos partidos ou coligações que concorreram às eleições e tiveram expressão eleitoral suficiente para transformar votos em mandatos.

Nesta matriz de funcionamento democrático do nosso poder legislativo tudo é questionável, evidentemente. Não basta votar em eleições livres para ter assegurada a escolha democrática daqueles que nos vão representar na sede do poder legislativo. É necessário assegurar a democraticidade do processo de representação.

Dentro da facilidade com que se resvala para o populismo, é frequente ouvir dizer que 230 deputados é uma enormidade, que metade seria suficiente, e o país pouparia aí suficientes recursos financeiros que sempre faltam em todo o lado. Pois, mas reduzir o número de deputados é diminuir a expressão política de muitas correntes de opinião, e é certamente varrer o pluralismo político de muitas regiões do país, com consequências que podem até pôr em causa a unidade nacional, provavelmente o maior activo do país.

Também a dialéctica entre círculos plurinominais e uninominais passa muito por aí. Muita gente vê nos círculos uninominais a salvação dos mecanismos democráticos da representação, e factor decisivo para revitalizar a nossa desacreditada democracia e voltar a aproximar os cidadãos da política. Se é certo que, em tese, os círculos uninominais favorecem a proximidade entre eleitor e eleito, e a maior responsabilização do leitor perante quem o elegeu, também é verdade que a maioria dos eleitores pode facilmente ficar por representar. E que, se aproxima uns, afasta outros.

Também o método escolhido para a conversão dos votos em mandatos é determinante nos mecanismos da representação, aqui a contas com o relevante princípio da proporcionalidade. O método de Hondt fere significativamente as melhores regras da proporcionalidade e privilegia claramente os mais votados, e não trata por igual todos os partidos.

O que, podendo ferir os mais puristas, não é necessariamente mau. E poderá mesmo ser visto como uma espécie de sistema imunitário do regime. Porque o ponto de intercepção da curva da representação democrática com a da eficácia da democracia, acontecerá sempre no nível mais alto da representação e no mais baixo da eficácia. 

 

PS: Esta foi a minha última participação como autor deste blogue. Agradeço aos leitores a atenção que me dispensaram, e aos colegas, e em particular à Sarin, a oportunidade de participar neste projecto.

 

O poder de fazer leis

por Eduardo Louro, em 27.03.19

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Lá porque se identifica o poder legislativo com a Assembleia da República, não quer dizer que o parlamento disponha do monopólio dos actos legislativos. Longe disso, produzem-se actos legislativos, fazem-se “leis”, em praticamente tudo o que seja órgão de soberania. Nunca antes tinha pensado nisso mas, se calhar, está aí a razão dos nossos excessos legislativos, que começam por sempre acharmos que tudo se resolve com uma lei.

Quem não ditar lei, não tem poder. Não é soberano. Ou não tem soberania para exercer.

Da Assembleia da República sai a Lei, que ocupa o topo da pirâmide hierárquica do edifício legislativo, que não é um edifício a sério para não ser uma construção tipo Louvre, que os franceses não autorizariam.

É por isso que nada nem ninguém está “acima da lei”. Claro, se ela está no topo, no sítio mais alto, nada pode ter em cima… O problema é que estamos fartos de saber que não é nada assim, e que não só há muitas “pessoas acima da lei”, como há ainda muitas com leis só para elas… Justamente para que nunca sejam foras-da-lei.

Se calhar não são leis. Bastam-lhe decretos-lei. Que são leis à mesma, a que temos que nos vergar exactamente da mesma maneira, mas produzidas no governo.

Quando dizemos que a Lei é produzida na Assembleia da República, e o Decreto-Lei no governo estamos, ou a simplificar um bocado, ou a esquecer a maior parte do aparelho de produção porque, na verdade, umas e outros são fabricados em um ou dois grandes gabinetes de advogados. Pelo menos é aí a secção de acabamento, onde lhe é dado o toque final que lhe há-de deixar aquele buraquinho … para mais tarde recordar. É daí que saem direitinhas para o Diário da República...

É assim - mal comparado, evidentemente - como mandar fazer a uns tipos um cofre para guardar e proteger uns bens e deixá-los ficar com as chaves do cofre.  

O Presidente da República também se mete nos decretos-lei. Não se sabe se também os manda fazer nas oficinas dos advogados, mas admite-se que não. É pouca coisa, pequenas quantidades, não dá para negócio.

Também as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, dos Açores e da Madeira, produzem Decretos. Não os decretos-lei, que esses são todos do governo, mas os Decretos Legislativos Regionais, que são bem capazes de também passar pela fase de acabamento nuns escritórios de advogados do Funchal ou de Ponta Delgada. Mas isso já são coisas mais difíceis de saber…

Dir-se-ia que os Tribunais constituem o único órgão de soberania sem capacidade legislativa. Faz sentido que, e esqueçamos que não conseguimos perceber essa intervenção dos advogados, quem aplica a Lei, não a faça. Mas essa é apenas mais uma ilusão do sistema. O sistema judiciário não se limita a aplicar a lei. Tem de a interpretar, e de deixar essa interpretação expressa nos acórdãos dos juízes, que passam a constituir jurisprudência. Não produzem Lei, mas fazem doutrina, com autêntica força de lei, como se de lei se trate.

 

assembleia da república

imagem retirada daqui

 

quem tem acompanhado o que escrevo no rasurando já se terá apercebido que recorro recorrentemente (adoro pleonasmos com “rrrrrr”) à grande “bíblia” na nação: a constituição da república.

agora que vamos começar a refletir sobre o poder legislativo para além da “bíblia” – sempre presente-, temos um recurso inestimável: o site do parlamento – www.parlamento.pt

tem havido uma preocupação crescente dos governos na comunicação e transparência (mesmo, sabendo nós, que se transmite o que se quer, e que se é transparente no que se pretende).

embora um eventual embelezamento da informação contida no site será importante ter presente que esta é a fonte oficial e que fará sentido, muitas vezes, confrontar as notícias dos órgãos de comunicação social com aquelas apresentadas no site (sendo que a análise do conteúdo é válida nos dois sentidos – onde está a verdade? algures no caminho  )

a meu ver o site está muito bem estruturado. encontramos toda a informação necessária para compreender o funcionamento da assembleia da república, as caras que a constituem e, inclusive, vídeos que nos ajudam a entender melhor determinados assuntos.

mais uma vez: a informação existe e está disponível, mas quantas cidadãs e quantos cidadãos a consultam?

 

Orçamento (t)Estado

por Eduardo Louro, em 08.02.19

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Diria que o Orçamento Geral do Estado, mais que peça central da governação, é o pilar político-administrativo do regime.

O Orçamento não é apenas o guião da governação, um instrumento de planeamento ou a bengala política do governo. Não é apenas isso, é tudo isso. E ainda mais que isso: é a peça central da estrutura do regime. É o fiel da balança no exercício do poder democrático ou, pelo menos, nos seus mínimos da alternância democrática.

Todo ele está envolto em formalidades e prazos rígidos. Tem que ser apresentado na Assembleia da República, em forma de proposta (creio que não, necessariamente, em suporte de pen), até Outubro. Até ao primeiro dia deste mês, na lei actualmente em vigor. Dois dias depois a proposta é colocada a votação, na generalidade e, logo aí, activa o ponteiro da balança do regime. À falta de aprovação, a coisa não se faz por menos: o governo cai, com ele cai tudo à volta, e marcam-se eleições. É a bomba atómica do Parlamento, como a moção de censura. E como a outra que o Presidente guarda religiosamente em Belém.

Se tudo correr bem, quer dizer, se a maioria que suporta o governo, ou a que conjunturalmente se arrumou para o aguentar, com mais ou menos sapos engolidos, se mantiver operacional, segue-se um longo debate na especialidade, onde muitas vezes a proposta inicial é toda voltada do avesso. É sempre coisa para mais de um mês. No fim, vota-se – então sim, já o Orçamento – na especialidade, com o mês de Dezembro à porta. A tempo de ir a promulgação ao Presidente da República, e de ser publicado para entrar em vigor no primeiro dia do ano.

Porque o ano não se pode iniciar sem Orçamento. Não deve… Poder, pode, mas não há ninguém que goste muito disso. Os credores, então… Nem querem ouvir falar disso. Mas pode, o governo fica obrigado aos números do Orçamento anterior, distribuídos por duodécimos. Fica a governar por duodécimos, como muita gente gosta de dizer.

Não é drama nenhum. Mas é, de todo, de evitar. Por isso não se percebe por que é que as eleições legislativas são, de há muitos anos, marcadas para o mês de Outubro. Percebe-se que Outubro seja um bom mês. É depois das férias, e as pessoas ainda andam bem-dispostas… O clima ainda ajuda, faz bom tempo, mas as pessoas já não precisam de aproveitar todos os minutos para fugir para a praia. Mas não ajuda nada o Orçamento!

Ainda todos nos lembramos da última vez. As eleições deram no que deram, quem pensou que tinha ganho, afinal não ganhou, o tira teimas não foi fácil – se não é fácil convencer quem nunca tem dúvidas, nem quem nunca se engana, imagine-se o que seja convencer quem raramente tenha dúvidas e nunca se engane – e o governo acabou por tomar posse já no fim (dia 26) de Novembro. Quando os deputados aprovaram o programa de governo já deveriam estar a aprovar o Orçamento. Mesmo assim, podia ser bem pior, e o Orçamento para 2016 acabou por ser publicado a 5 de Fevereiro (não deve ter sido nada fácil!), com apenas um mês em regime de duodécimos.

Sendo o Orçamento o que é, tendo a centralidade que tem na vida do país, em particular na relevância que assume nas relações externas do país, e nas relações com as instituições europeias, não faz qualquer espécie de sentido manter as eleições legislativas em Outubro. Parece brincar com o fogo!

 



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Não falamos da actualidade, do acontecimento. Nem opinamos sobre uma notícia.

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