Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
No pior dos regimes à excepção de todos os outros – desculpem-me a insistência, acredito que já canse, mas não sou capaz de o criticar, e não consigo deixar de o fazer, sem dizer isto – as eleições funcionam como uma espécie de catarse (nem sempre são purificadoras, é certo, mas libertam sempre muita coisa…) cheia de rituais.
O ritual começa com a pré-campanha que, como o nome indica, é o período que antecede o de campanha eleitoral, definido por lei. O que não vale de muito, porque ninguém percebe muito bem quando acaba um e começa o outro, tão igual é (quase) tudo. Para quem não tinha ainda percebido para que servem, nos dias de hoje, os “tempos de antena” aí está a explicação: é para que as pessoas saibam quando começa o período legal de campanha eleitoral.
A pré-campanha começa praticamente com o anúncio da data das eleições, mas há até quem defenda que começa mesmo no dia a seguir às anteriores. Eu não iria tão longe, e ficar-me-ia pela data da tomada de posse relativa às últimas eleições. A partir desse dia, invariavelmente, a oposição entra em pré-campanha eleitoral.
Depois, um pouco mais tarde, chegam as forças do poder. Dois anos antes das eleições já não pensam em mais nada, e o último orçamento, um ano antes, é já um manifesto eleitoral.
À medida que o tempo voa apressadamente para os últimos três meses, o ritual aperta. E lá vêm as arruadas, os comícios, o lombo de porco no prato de plástico (pois é, isso vai ter de mudar), a cerveja – muita cerveja – e agora, pelo menos aqui pela província, o porco no espeto. Depois vêm os interessantíssimos tempos de antena e sabemos que, até à apoteose final, naquela noite de sexta-feira, nos mais nobres espaços das maiores cidades do país, é campanha eleitoral a sério. Autocarros num corrupio, de uma ponta a outra do país, cheios de gente que não sabe ao que anda, mas lá vai … que a vida é dura. E no fim do dia há um prato de plástico com lombo de porco, e 10 ou 20 euros para meter na carteira.
E chegamos ao sábado. Dia de reflexão, um must do ritual. À meia-noite de sexta-feira acabaram-se as promessas, fecharam-se as luzes, apagaram-se as brasas, e secaram-se os barris de cerveja… Não há jornais, a televisão entretém-se com as minudências do costume, e ninguém fala de política. É só para reflectir… Um desperdício, quando nada ficou que merecesse reflexão. Reflexão mereceria que fosse aproveitado para obrigar toda a gente a recolher o material que deixou a poluir-nos o ambiente e as ideias, e que por lá se vai manter por longos meses.
E finalmente amanhece domingo, o grande dia. Se está sol – nunca há eleições no inverno - o pessoal vai para a praia. Uns poucos, que resistiram ao demónio e à desmotivação da campanha, e não resistem ao seu sentido do dever, e outros, que as carrinhas do cacique vão buscar a casa, lá vão pôr a cruzinha. Ou não, deixando o boletim em branco. Ou nulo, todo riscado, se a raiva for muita.
Ao fim da tarde – outra descoberta: é por isso que não há eleições no Inverno – fecham-se as urnas e começam a contar-se os votos. Mas já não interessa: às oito em ponto (há que esperar pelos Açores, que andam uma hora atrás do continente, e da Madeira) já as televisões abrem "o especial eleições" com os resultados. A partir daí, começamos por ficar a saber que todos ganharam e, depois, o que os portugueses disseram com o voto.
E nós a percebermos que, se calhar, perdemos todos … E que não dissemos coisa nenhuma. Que apenas cada um entregou o seu voto, por convicção, por sentido de utilidade ou por qualquer outra motivação... E que esse foi simplesmente somado a outros.
O que nem sequer acontece em tantas partes do mundo…
Não falamos da actualidade, do acontecimento. Nem opinamos sobre uma notícia.
Falamos de política num estado mais puro. Sem os seus actores principais, os políticos - o que torna o ar mais respirável. E os postais sempre actuais; por isso, com as discussões em aberto.
A discussão continua também nos postais anteriores, onde comentamos sem constrangimentos de tempo ou de ideias.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.