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O governo que elegemos

por Sarin, em 03.05.20

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O Poder Executivo em Portugal está centralizado no Governo. Mas a nível local é também exercido pelas Autarquias, especificamente o Executivo das Câmaras Municipais e o Executivo das Juntas de Freguesia.

É engraçada a forma como elegemos o pessoal que nos governa, quer a nível central quer a nível local.

Quero dizer, é engraçada a forma como elegemos os que elegemos!

O Governo central não é eleito. Votamos para a Assembleia da República, e normalmente - atenção a este normalmente! - o presidente do partido mais votado (ou da coligação) é convidado pelo Presidente da República a formar governo, depois de ouvidos os partidos com representação parlamentar - certamente para saber até que ponto tal personalidade terá a aceitação dos deputados e, portanto, nossa, já que os deputados são os nossos representantes eleitos.

O primeiro-ministro assim indigitado cria os ministérios que entende mais adequados ao seu programa de governo, escolhe quem quer para ministro e secretário de estado, e apresenta o resultado ao Presidente da República, lhes dá posse. Depois, vem a segunda parte, ser aprovado pela Assembleia da República. E é aqui que a coisa se pode complicar. Tecnicamente, a AR não aprova nem desaprova o Governo nem o seu programa de governo, mas pode rejeitá-los [e aceitá-los]. Ao votar a rejeição do Programa de Governo, a Assembleia da República demite formalmente o Governo recém-formado. Também o pode demitir após aprovação de uma Moção de Censura, ou da não aprovação de uma Moção de Confiança.

Recordam-se do normalmente ali de cima? Pois é. A indigitação do chefe do partido mais votado é a hipótese mais comum de dar início ao processo de constituição do Governo, mas o PR pode, pura e simplesmente, descobrir que tal cidadão não reúne consenso junto da AR, ou estar aquele envolvido em alguma situação que não dignifique ou que impeça qa ocupação de tal alto cargo, pelo que, mediante consulta ao Conselho de Estado e aos partidos, o PR pode perfeitamente decidir indigitar outro cidadão. Até pode optar por um que nada tenha a ver com os partidos representados. Claro que apenas o fará invocando razões muito fortes, afinal a decisão é do PR mas na verdade resulta da análise da posição dos partidos e da sociedade e não de uma arbitrariedade -o que não significa que não possa tentar forçar suavemente a aceitação de um nome.

E qual a nossa intervenção no processo de escolha da mais alta figura do executivo e da sua equipa?

Escolhemos directamente o cidadão que vai indigitar o Primeiro-Ministro e votamos nos partidos que colocarão na Assembleia da República os cidadãos que rejeitarão [ou aceitarão] o Programa de Governo, e que aprovarão (ou não) as Moções de Censura ou de Confiança. Pronto, é isto. Ficamos a saber quem nos governa depois das eleições para a Assembleia da República - é o que dá sermos uma democracia representativa.

No entanto...

O executivo camarário é votado directamente por nós, cidadãos! Sabemos exactamente qual o cidadão e qual a equipa que propõe para nos governar a coisa pública local. Embora possa não ser exactamente a equipa que vai funcionar, pois esta depende do número de vereadores eleitos pelo partido mais votado - e pelos outros. Aos vereadores eleitos o Presidente da Câmara atribui pelouros - pequenos ministérios à escala local. E haverá vereadores sem pelouro, que ficam assim a fazer parte do órgão colegial que é o executivo camarário mas não assumem qualquer função executiva directa. 

Para as freguesias, o sistema de formação do executivo volta a ser como o do governo central, com uma pequena diferença: a lei prevê que o Presidente da Junta seja o presidente da lista mais votada para a assembleia de freguesia. A equipa que o acompanhará, com um mínimo de dois vogais com funções de tesoureiro e secretário, é eleita pela Assembleia de Freguesia. Ou seja, voltamos a ter executivos escolhidos pelos nossos representantes, mas desta vez o chefe do executivo trabalha com a equipa que lhe escolherem.

São estas três formas distintas de tentar que as tendências existentes na sociedade estejam representadas nos órgãos executivos.

Mas serão a melhor forma de criar as equipas que nos deverão gerir a nós e à coisa pública?

 

Esta questão da escolha dos executivos pode ser abordada em vários holofotes. Como é matéria que me incomoda sobremaneira, não é de admirar que a aborde em todos os holofotes possíveis...


10 comentários

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De Paulo a 03.05.2020 às 15:19

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De Sarin a 03.05.2020 às 16:58

Obrigada :**
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De /i. a 03.05.2020 às 16:05

Já comentei contigo que não gosto do nosso sistema político.
No caso das legislativas, estamos a eleger deputados porém as eleições são organizadas de forma a se eleger um primeiro-ministro. Há duas campanhas dentro da mesma eleição. Ou seja, nos deputados a eleger por cada círculo eleitoral, fazem campanha sozinhos e depois junta-se o líder do partido que por sua vez devia era fazer campanha no sítio onde está incluido na lista para ser deputado. Mas, não. Percorre o país de lés a lés parece que é o cabeça de lista de todos os circulos eleitorais. Uma parvoíce. E os deputados no fundo não servem para nada. Vejo o que eles fazem por Beja. Eles podem dizer que a linha ferróviária vai ser electrificada, porém quem decide é o governo. 
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De Sarin a 03.05.2020 às 17:09

Penso que o chefe do partido faz campanha exactamente porque elegem-se deputados mas votando nas listas dos partidos, não nas pessoas - se um deputado for impedido de exercer, sobe para o lugar dele o seguinte da lista. Nesta óptica, faz sentido tal campanha. O que não me faz sentido algum são as campanhas em si :D deviam ser esclarecimento e não selfies e beijocas, copos de tinto e bandeirolas, poluição e perda de tempo...
Também não gosto da forma como elegemos os nossos representantes, e menos gosto da forma como estes se representam, quero dizer, nos representam ;)) Os círculos eleitorais é uma questão que ainda ninguém me explicou de forma a que eu aceite. Acato, que remédio! :D Mas não aceito.
No entanto, servem como peças fundamentais do poder legislativo. Poderiam era ter outra forma de se lá chegar, de lá estar e... enfim :/
Dá uma olhadela aos postais para trás. E comenta nos que quiseres, neste blogue nada perde actualidade. Infelizmente :(
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De /i. a 03.05.2020 às 19:14

Eu gostava de no boletim de voto ter de fazer uma cruz na fronha do candidato a Primeiro-Ministro. 
Os deputados deviam ter pelo menos duas ou três medidas aplicadas independentemente do governo não achar piada. Porque assim o deputado não representa nada. E tem disciplina de voto onde podiam bater o pé. É obsoleto este sistema, aliás sempre foi porque não promove o equilíbrio num país que está emborcado para o litoral
 
Sim, prometo ler e comentar.
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De Sarin a 03.05.2020 às 23:30

Caras, na verdade, só para os PR... mas como alguns foram PM talvez um dia tenhas sorte :D:D
O Governo não aprova nada aos deputados, /i., são órgãos independentes. Os deputados é que aprovam coisas ao governo. Ou desaprovam.


Os deputados são responsáveis por muita coisa, muita mesmo! Nomeadamente, pelas intrincadas leis que temos... e a disciplina de voto resulta de o nosso sistema eleitoral assentar unicamente no partidarismo - excepto a nível local.
Mas o Governo central, apesar de sair das eleições para o Parlamento, é independente deste - os deputados legislam e vigiam o Governo, o Governo gere a coisa pública e o que legisla decorre sempre das Grandes Opções do Plano, ou de emergências :) A legislação mais transversal e longeva sai da AR.
No poder local, os deputados municipais terão menos poder de vigilância sobre o executivo camarário, mas isto porque este executivo é eleito e não escolhido pelos nossos representantes.
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De cheia a 03.05.2020 às 23:19

Não há formulas perfeitas.
Boa noite
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De Sarin a 03.05.2020 às 23:35

Não há mesmo. Mas quando não resultam, ou quando as falhas que permitem são maiores que os benefícios que devolvem, talvez devam ser revistas e alteradas... claro que este é um exercício sem resultados práticos, "somos nós a falar" - mas falando vamos trocando ideias, esclarecendo umas dúvidas e levantando outras, enfim, vamos tentando acordar o assunto nas nossas consciências.
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De Eduardo Louro a 04.05.2020 às 23:22

A encenação política acabou por encontrar forma de nas legislativas não nos limitarmos a eleger os nossos representantes no Parlamento, mas escolhermos ainda o chefe do governo criando a figura do candidato a primeiro-ministro. Mesmo contestada pelos partidos de fora "do arco da governação", que consideram - e têm razão - isso uma abusiva interferência na igualdade de oportunidades das candidaturas, a figura institucionalizou-se à sombra do regime. 




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De Sarin a 04.05.2020 às 23:35

Institucionalizou-se no vazio deixado pela indefinição, que não consigo perceber como é que para o poder local até se define como se elege o presidente das juntas com menos de 150 eleitores, e para o governo da nação se deixa a coisa seguir nesta confusão eleitoral de poderes que se querem independentes. Suponho que a Constituinte estava em maré de semi-presidencialismo, o executivo destinado a ser uma extensão do chefe de estado, mas a dimensão do país e a conveniência partidária permitiram a evolução para este semi-qualquer-coisa que do cargo de PR fez apenas mais um símbolo nacional.

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