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E sobre os governantes?

por Sarin, em 30.06.20

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Podemos abordar a política por muitas vertentes. Os regimentos, os processos, as expectativas... mas há um que é fundamental: os protagonistas.

Por aqui, tentámos nunca abordar a política pela vertente dos actores, os cidadãos com nome e vida pessoal que incorporam e executam os diferentes papéis políticos na nossa democracia. Quisemos que estes nossos escritos fossem uma reflexão e não uma reacção à gestão dos actores. Mas, mantendo os actores ausentes do discurso, não poderia deixar de aflorar os requisitos para se ser actor político.

A idade não é importante - quanto mais cedo a noção política, que não a doutrina partidária, entrar na vida de crianças e jovens, maior a probabilidade de se formarem cidadãos atentos e politicamente activos. Cidadãos atentos e politicamente activos exigem dos seus governantes, não se limitam a respingar pelos cantos. Exigem dos seus governantes, são melhores governantes.

Mas a experiência, o conhecimento, a dinâmica, a capacidade analítica, a idoneidade, a integridade, a capacidade argumentativa e negocial, ... as capacidades individuais, tanto quanto as competências, podem fazer a diferença na hora de escolher entre um e outro actor para um mesmo papel. Mesmo sabendo que, actualmente, apenas a nível local podemos escolher os actores, nada nos impede que sejamos exigentes também com os que não podemos escolher - mas sobre os quais poderemos, sempre, respingar, de preferência sustentada e consistentemente.

Por outro lado, temos a Lei das Incompatibilidades que, aprovando o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, define regras tendentes à transparência de teres, haveres e deveres. Basicamente, define o que podem ter e que cargos podem exercer os governantes antes, durante e depois de o serem. Por exemplo, prevê que um governante respeite um período de nojo antes de assumir funções em entidades que tenham estado sob a sua tutela ou com as quais tenha tido relações de interdependência. Um período que é relativo, podendo ser de 3 anos para umas funções e de 5 anos para outras, como recentemente aprovado para os lugares de governador do Banco de Portugal e direcção das entidades administrativas independentes. Também relativo é o que se entende por relações de interdependência. Alguém que tenha tutelado uma pasta terá conhecimento privilegiado sobre a mesma durante um período de tempo, daí o período de nojo - que apenas se aplica a empresas tuteladas ou com as quais houve interacção. Então e o conhecimento privilegiado sobre as suas concorrentes? Da mesma forma, podem existir empresas que foram e voltarão a ser dos governantes, mas cuja gestão e administração temporariamente são entregues a familiares e amigos. Proibir esta acumulação tem o objectivo claro de evitar favorecimentos, mas a consequência pode ser, em última análise, a impossibilidade de um governante local ser oriundo da área governada, sob pena de ter de adquirir os serviços em concelhos vizinhos e quiçá distantes.

Nestas coisas de ser transparente e honesto não basta escrevê-lo, há que sê-lo e parecê-lo.

Por isso a Lei das Incompatibilidades não ser suficiente. Há que perceber que servir a causa pública é um objectivo, não um trampolim. Que gerir a coisa pública é uma honra, não a sorte grande. E, para isto, é preciso ter actores mais bem formados, mais conscientes, mais transparentes. E mais bem remunerados, para que possam, sem perdas, abdicar de gerir o que é seu enquanto gerem o que é nosso. Bem remunerados, e bem escrutinados.

Porque nestas coisas de ser governante há que confiar, confirmando.

 

 

É este o último postal que escrevo no Rasurando. Foi um caminho muito desejado, muito estimulante e interessante, feito com autores que muito aprecio e cuja companhia não me canso de agradecer. No entanto, o projecto era exigente, muito exigente!, e a minha vontade muito superior à minha disponibilidade, esta tantas vezes aquém da necessária para acompanhar quem comigo embarcou.

Agradeço a quem aqui me acompanhou, autores e leitores, e desejo que um dia nos encontremos numa sociedade politicamente mais madura.

 

imagem: Kevin Spacey em House of Cards


1 comentário

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De O apartidário a 02.10.2023 às 15:42

Interessante blog. Pena que terminou ( em 2020 andava pelo blogspot).

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Não falamos da actualidade, do acontecimento. Nem opinamos sobre uma notícia.

Falamos de política num estado mais puro. Sem os seus actores principais, os políticos - o que torna o ar mais respirável. E os postais sempre actuais; por isso, com as discussões em aberto.

A discussão continua também nos postais anteriores, onde comentamos sem constrangimentos de tempo ou de ideias.





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