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Se são os governos a sede do poder exectivo formal, é na administração pública que ele se manifesta. É a máquina do Estado que exerce o poder de facto, é ela que mexe todos os cordelinhos, e que tece as verdadeiras teias do poder.
Controlar essa máquina, ou deixar-se por ela ser controlado, é sempre, em tese, o primeiro e principal dilema de um governo.
Essa máquina é transversal a todos os regimes, e países, mesmo que com pesos muitos distintos no seu funcionamento. Inglaterra, mas também Itália, são dois exemplos de regimes com forte tradição de administração pública, com poderosas máquinas de Estado, que se sobrepõem aos governos. Para o bem e para o mal. Condicionando-os fortemente, como no caso inglês, ou respaldando-lhe as debilidades, como no italiano.
A excelente série britânica, o clássico "Yes minister", na forma e na exuberãncia com que caricatura a submissão dos membros do governo ao pragmatismo dos manhosos altos funcionários do reino, mostra-nos o verdadeiro poder da administração pública inglesa. E a História italiana mostra-nos como um país consegue sobreviver, sem grandes dramas, a quedas sucessivas de governos, e a largos períodos de vazio de poder.
Portugal não tem esta tradição. Em Portugal a tradição alinha com a tese da sacro-santa confiança política. O governo, para garantir a sua eficácia, tem de ter a confiança política da máquina, um eufemismo - somos um país de eufemismos - de confiança política na máquina. Parece a mesma coisa, mas não é!
Em Portugal muda o governo e logo surge uma frenética dança de cadeiras ao longo de toda a máquina. Que, à convencional administração pública, dos gabinetes ministeriais, das delegações e das direcões gerais, com o passar dos anos, foi juntando uma série de entidades reguladoras e umas larguíssimas dezenas de institutos públicos.
Tudo sob o amplo chapéu, um largo sombrero mexicano, da confiança política, eufemismo - mais um - dos jobs for the boys que Guterres imortalizou, em mais uma dos paradoxos da política nacional. Que, sendo um dos factores do anquilosamento da administração pública, é também um dos factores de bloqueio do regime.
A discussão rodará sempre em torno do dilema central entre uma administração pública de alta competência profissional, capaz de manter todas as pontas do país bem seguras, mas necessariamente poderosa, e porventura capaz de sabotar as decisões do poder democrático; e uma administração pública às ordens de um poder eleito, mas porventura sem competência crítica para filtrar decisões e induzir-lhe conhecimento e eficácia.
Sendo que a velha aspiração popular de "chuva no nabal e sol na eira" continua inatingível, talvez valha mesmo a pena procurar o meio, o sítio onde se localiza a virtude. Cortar de vez com a relação entre "confiança política" e os " jobs for the boys" talvez ajude a encontrá-lo.
Não falamos da actualidade, do acontecimento. Nem opinamos sobre uma notícia.
Falamos de política num estado mais puro. Sem os seus actores principais, os políticos - o que torna o ar mais respirável. E os postais sempre actuais; por isso, com as discussões em aberto.
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