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Administração pública

por Eduardo Louro, em 01.05.20

BBC - Comedy - Yes Minister

 

Se são os governos a sede do poder exectivo formal, é na administração pública que ele se manifesta. É a máquina do Estado que exerce o poder de facto, é ela que mexe todos os cordelinhos, e que tece as verdadeiras teias do poder.

Controlar essa máquina, ou deixar-se por ela ser controlado, é sempre, em tese, o primeiro e principal dilema de um governo.

Essa máquina é transversal a todos os regimes, e países, mesmo que com pesos muitos distintos no seu funcionamento. Inglaterra, mas também Itália, são dois exemplos de regimes com forte tradição de administração pública, com poderosas máquinas de Estado, que se sobrepõem aos governos. Para o bem e para o mal. Condicionando-os fortemente, como no caso inglês, ou respaldando-lhe as debilidades, como no italiano.

A excelente série britânica, o clássico "Yes minister", na forma e na exuberãncia com que caricatura a submissão dos membros do governo ao pragmatismo dos manhosos altos funcionários do reino, mostra-nos o verdadeiro poder da administração pública inglesa. E a História italiana mostra-nos como um país consegue sobreviver, sem grandes dramas, a quedas sucessivas de governos, e a largos períodos de vazio de poder.

Portugal não tem esta tradição. Em Portugal a tradição alinha com a tese da sacro-santa confiança política. O governo, para garantir a sua eficácia, tem de ter a confiança política da máquina, um eufemismo - somos um país de eufemismos - de confiança política na máquina. Parece a mesma coisa, mas não é!

Em Portugal muda o governo e logo surge uma frenética dança de cadeiras ao longo de toda a máquina. Que, à convencional administração pública, dos gabinetes ministeriais, das delegações e das direcões gerais, com o passar dos anos, foi juntando uma série de entidades reguladoras e umas larguíssimas dezenas de institutos públicos.

Tudo sob o amplo chapéu, um largo sombrero mexicano, da confiança política, eufemismo - mais um - dos jobs for the boys que Guterres imortalizou, em mais uma dos paradoxos da política nacional. Que, sendo um dos factores do anquilosamento da administração pública, é também um dos factores de bloqueio do regime.

A discussão rodará sempre em torno do dilema central entre uma administração pública de alta competência profissional, capaz de manter todas as pontas do país bem seguras, mas necessariamente poderosa, e porventura capaz de sabotar as decisões do poder democrático; e uma administração pública às ordens de um poder eleito, mas porventura sem competência crítica para filtrar decisões e induzir-lhe conhecimento e eficácia.

Sendo que a velha aspiração popular de "chuva no nabal e sol na eira" continua inatingível, talvez valha mesmo a pena procurar o meio, o sítio onde se localiza a virtude. Cortar de vez com a relação entre "confiança política" e os " jobs for the boys" talvez ajude a encontrá-lo.

 

 

 

 


5 comentários

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De Anónimo a 01.05.2020 às 19:20

A administração pública, os seus funcionários, o país, só perdem com este status quo. Já há muito deveriam ter sido eliminados a esmagadora maioria dos cargos de "confiança política".
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De Eduardo Louro a 01.05.2020 às 22:55

Eliminar a maioria dos cargos é capaz de não ser sequer possível. Fazem mesmo falta. E a confiança política, como tentei ilustrar no texto, não é necessariamente um mal. O mal está na confusão entre "confiança política" e crédito de favores.  
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De Sarin a 02.05.2020 às 11:39

Plenamente de acordo. A pergunta que coloco, obviamente, é: como propões atingir tal meio termo?
Só consigo pensar na solução das eleições para tais cargos. Serão escrutinados e sufragados pelos eleitores, e talvez contribuam, pela independência possível, para a estabilidade de políticas e para a implementação de políticas estruturais. Nestes cargos, de candidaturas uninominais, não colocaria limite de mandatos.


Talvez esteja formatada neste modelo, mas sem mudança da consciência política, que não partidária, dos nossos políticos, não descortino outra solução.
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De Eduardo Louro a 02.05.2020 às 21:01

Na minha opinião, eleições para os altos cargos da administração pública não faz politicamente sentido. Quadros são quadros, políticos são políticos. Estes carecem de legitimação democrática. Se os quadros estivessem legitimados por sufrágio só poderia dar em conflito de legitimidade. Os políticos têm por definição que agradar aos eleitores. Os quadros têm que atingir resultados. Aos políticos cabe traçar objectivos de política geral e sectorial. Os quadros têm que cumprir eficazmente esses objectivos.
O "meu" meio é, simplesmente, os políticos preocuparem-se em encontrar quadros competentes para cada função, disputá-los com o sector privado, em detrimento da lógica de premiar fidelidades políticas, de pagar dívidas, ou de moeda de troca de favores ou entendimentos de circunstância . É que os políticos decidam ocupar esses cargos pelo curriculum, em vez do cartão partidário. E é que os mandatos desses cargos sejam limitados. 
Claro que isto é um novelo que quando começa a ser desfiado arrasta dois papões: o funcionalismo publico, e toda a sua lógica, e os vencimentos dos titulares de cargos políticos. Mas isto não dava um postal, dava um tratado! 
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De Sarin a 09.05.2020 às 18:03

Antes de dar um tratado, ter-se-ia de dar um trato na ética política e na consciência dos cidadãos. Uma coisa bem mais profunda do que um banho.
Porque concordo com a questão do conflito de legitimidade - mas quando os cidadãos não são maduros e os políticos são podres, só vejo duas saídas: um golpe totalitário ou uma maior participação directa. Esta responsabiliza os cidadãos tanto quanto responsabiliza os gestores da coisa pública.

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